domingo, 19 de outubro de 2014

totem

ao Bruno



Cheguei ao largo da vila
não havia nada que sinalasse uma rotunda
mas as gentes andavam todas à roda
em diferentes diaturbes ensimesmadas
o solipsismo expresso na sua rapidez furiosa

e eu mergulhei no meio da multidão
olhei cientifica e atentamente  com a cabeça à roda
horas seguidas de tamanho movimento circular
afogando-me de enjoo e escárnio

subitamente todos param e expectam-me com um olhar de repúdio
pela primeira vez experimentam uma sintonia
todos os ninhos ligados por pontes
escorre-me vómito pela boca

todos eles conseguem identificar as barbas dum marginal

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Peça a quatro mãos escrita por uma

Espanca-me
Não me construas qualquer manta de retalhos afetuosa
Deixa a harmonia da minha mundividência permanecer intacta

Eu não quero ser temido
Eu quero continuar a temer
O que acontecerá quando deixarmos de trancar a porta do quarto à noite
Que seres fantasmagóricos poderão invadir a nossa sombra
Com palavrosas promessas e incitamentos a vícios

Deixem-nos bater furiosamente mea culpa contra o peito
Em vez de fundarem cooperativas que o alcatroam por dentro
Enquanto nos afastam das crianças para mútua proteção

A haver um abismo queremos que seja o nosso
Como a pianista enviava cientificamente cartas ao seu aluno
Sobre como queria ser fudida e insultada

Nós aceitamos a morte
Mas por vaidosismo
Queremos saber todo o ínfimo detalhe

Araté

A insignificância dos meus dedos não produzirá ao sol coisa nenhuma,
Para o homem sem talento escrever poesia é uma perversa forma
De gostar da punição do arame nas mãos

Os dentes estão partidos mas não é de trincar caroços
Não há nenhum âmago do qual sejamos particularmente lúcidos
Apenas o desígnio de ser na ampulheta
A areia usada para ponderação do tempo
Somos mar e prometeu
O sorriso miúdo de quem tem a ergonomia perfeita
Para poder ser o melhor broxista da cidade
Onanistas decadentes para a ternura ofensiva das musas
Enquanto alimentamos ódio pela sua compreensão e pena
Pendurando no peito os cadáveres de todos os nossos assassinatos

Mas ainda nos agarram pelo pulso para passeios sentimentais
Nós que tanto tentamos avisar-lhes com a verdade
Sobre a íntima origem da nossa vontade consporcatória

Não cites Freud meu amor
Isto não é uma patologia psíquica para as receitas médicas de falsos profetas
Isto é o basilar e fundacional de todo o nosso mausoléu
Porque preferimos a pneumonia às camisolas com criancinhas dando as mãos
A toda a parafernália que é oferecida na sopa dos pobres por almas caridosas

Deixa-me e aceita-me enquanto demónio
Honrada solidão
A virtude está do meu lado

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

XVI

À luz de imensos focos de vermelho fúnebre
eu sento-me                     uivo                    escrevo
A imagem da criança esventrada pelo insaciável bico
O delírio da mitologia cosmopolitana a assegurar as suas camas
As torres com imensos olhos em chama por vida
Tantas enormidades estrangeiras aos calos das nossas mãos

Passo na rua levantando a saia para mostrar a minha cona
Para habitar o regozijo geral machista do tempo
Infiltro-me no vácuo dos demais usantes de chapéus
Canto os nós das forcas sobre as palavras
Imensas boias de sangue pulverizando reflexos
rio pantanoso onde concentro os meus dentes nos peixes mortos

Sou tão imensamente ávido e carnívoro
Que renasco em pedestais dourados em cidade santa
Em mosaicos a conhecerem o sol às chapadas na cara
Imensa turbe branquílinea e sã da sua meditação
Que a poesia seria despojada de sentido linguístico
Para ser apenas os dentes gementes ao trago

Ah mas tanto bulício infame e seguidista
Que tem os quatros charros aos quais à luz me sento e escrevo
Uma febre totalmente composta para lambermos as beiças
Porque é a amargura constrita por uma trela curta
Onde largamos em versos para o gáudio salvífico
Da corrida de galgos de quem fez todas as apostas

Derretemos em mais uma gota de cera
Subitamente tudo ganha em cor de tudo
Onde tudo é verosímel e policromático


Iluminamos a sombra

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

No pântano disforme que já nem os reflexos absorve, os crápulas são obrigados á implosão do seu onanismo, têm estrias por todo lado reflexo da sua vaidade, não por alguma forma de ligação a alguma mitológica concepção de real, mas pelas medalhas de ouro que trazem no ânus, saliva inane dos seus pares. Eles vivem no canibalismo do plástico no que isso poderá ter de menos nobre, vivem de uma antropofagia do nada que os edifica. Do cimo da montanha, parece que foi vista chegada do céu uma pedra com uma só palavra cravada. Depois tantas vezes recitada que os passos dos mamutes agonizados deixaram de ser contínuos, para ascenderem finalmente a uma manifestação de espontaneidade e criatividade. Esse pobre mundo literário feito de gente que em primeira mão cospe sobre o real, por se sentir uma torrente a contorcer-se pelas pedras sem contudo fecunda-las. Que esperáveis vós que vestiram os farrapos dos mendigos a noites agendadas por outrem, como o lobo veste a pele do carneiro para devorar uma manada, mas que a histeria da turbe só vos devorou a vós, vós lobo de vós próprios. Que esperáveis vós que hastearam como bandeiras de revolucionarismo pós-vanguardático as vossas tolhas das cozinhas, sem notar que nela ainda estava as migalhas do vosso repasto a todos os títulos burguês e normopata. Mas quando a fúria dos lobos uivar a sua revanche sanguinária, como fugirão? Como Luis XIV, a vossa vaidade é tão grande que mandaram cunhar nas moedas o vosso perfil. Mas quando os adolescentes espremerem o pus para uma água alquímica, para onde fugirão?
As vezes torna-se tudo tão claro, até o porquê de já andarem a cavar um panteão. É tragicómico ver essa luta estropiada de cocotes procurando ter a epígrafe mais fulgurante.
Já agora

Eu quero a das pedras no rim para construir castelos.

domingo, 5 de outubro de 2014

W.C.

o urinol acciona o autoclismo antes de eu mijar

Demonstração matemática



Mergulho na escuridão solitária das minhas pálpebras
o ruminar incessante dos meus pensamentos cresce
enquanto vai ficando calva a minha inocência

e pergunto-me
se eles são barcos desvelados carregando vida
ou se a vida semeia correntes marítimas de mentira
se há veneno na ordenação fatídica das vertiginosas plataformas
ou se a terra esboça uma sociologia alquímica sobre a pulverização do crime

apesar do rubor infantil das minhas saias ser inalienável
vou acumulando a sedução de pegadas várias sobre os meus braços
depois numa orfandade mais madura habito esta cidade perdida
onde não é certo se o bailado das gentes produz algo de vital
ou se tudo é apenas tentativa de coagulação
abafo em ruído
para o silêncio do grande palco.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

S.

Conhecemo-nos nas redes sociais (sim isto é um relato pós-moderno com o selo do continente estampado nas nádegas) ela adicionou-me. Falamos pela primeira vez, ela não era muito assídua na conversa, dava os habituais tempos de espera de quem não quer parecer desesperada. A conversa durou cerca de 30 minutos e ela depois desligou. Voltamos a esse hábito duas ou três vezes, tentei meter a conversa do costume sobre gostos e locais onde saía, disse-me que morava em Santarém, estudava no Porto, não saía muito. Depois desapareceu durante uns meses até que voltou a entrar em contacto comigo, era Verão havia o Serralves em Festa e eu puxei para nos encontrar-mos por lá mas novamente o meu convite foi declinado. Voltou a partir do chat e eu fiquei por casa a fumar a minha solidão. Muitas horas volvidas reapareceu com a interpelação ‘estou toda molhada’. Eu fiquei surpreso não só por não ser usual as mulheres confessarem tal coisa perto de mim mas também porque não é usual elas ficarem dessa forma à minha beira. Agradeci a confissão, perguntei-lhe a que se devia e ela rematou que se estava a masturbar. Resolvido o enigma, incitou-me a masturbar-me com ela, proposta que eu aceitei verbalmente apesar de manter como um pornógrafo frustrado sempre com as mãos no teclado. Imaginou uma situação em que estávamos no carro após eu ter ido busca-la a casa, tínhamos parado num bosque e eu tinha começado a despi-la sem pedir licença. Eu usei a minha etiqueta proto-burguesa com expressões como ‘depois entro dentro de ti’ e ‘gemo de prazer ao ver a tua casa a contorcer-se’ mas ela cedo marcou a vontade de querer passar um degrau acima: contava-me como queria o meu caralho dentro da sua cona a parti-la toda enquanto lhe espetava o dildo no cu, palmadas no rabo, pirocadas nas bochechas e esporradelas na cara. Admito que foi um pouco estranho para mim apesar de me ter narcisicamente como libertino, terminado o filme compreendi o porquê de ela ter saído do chat das outras vezes: ela apenas queria as redes sociais para ter este tipo de conversas. Tinha namorado, chamado G., e dizia que lhe era completamente fiel, ele sabia de esta prática e haviam combinado as suas regras: apenas mensagens nada de fotos. Às vezes, contava-me ela, G. tinha ciúmes, aparecia-lhe em casa repentinamente para terminar o festim, muito embora ela tinha o hábito de se estar a masturbar enquanto falava com G. e outros homens ao mesmo tempo. A pergunta que me surgiu na mente era como seria possível os pais não repararem que entrava um rapaz no quarto dela tantas vezes para se envolver com ela, a resposta foi simples ‘ eles sabem que eu preciso’.
Tinha-lhe sido diagnosticado primeiro uma perturbação de personalidade boderline mas depois tinham afinado para outra doença ainda mais sedutora para o fetiche social: ninfomania. O pai, homem conservador e católico, ficara inicialmente perplexo mas ao ver a sua filha atulhada em drunfos, compreendeu que o bem estar da sua filha passava por viver sem comprimidos e saciar a sua vontade, quanto a S. adorava foder e considerava ser algo de extremamente identitário e revolucionário na sua personalidade, enunciava que a sua vagina eram as suas garras e não queria abdicar da sua liberdade, o pai, G., mãe, o irmão apenas tinham de se conformar com isso.
Fiquei curioso quanto ao seu processo de descoberta sexual, relatou-me como aos 15 anos tinha ido à sala e aguardado que o seu irmão fosse à casa de banho para ficar sós com um amigo dele. O miúdo, como o irmão, tinha menos dois anos que ela, ficou atónito ao ver o comando da playstation lhe ser retirado das mãos e sentir a sua mão ser levada por S. até a vagina – ‘diz ao meu irmão que vais te embora e depois entras à socapa no meu quarto’. Depois da sua primeira aventura com esta presa, S. foi meses depois à esteticista depilar-se. Tinha-lhe sido incumbido um homem porque supostamente só deveria tratar lhe das pernas, mas mal o trintão se preparava para sair do gabinete, S. pegou-lhe na mão e fez a brincadeira que fez com o amigo do irmão, contudo sem sexo vaginal – ‘era demasiado velho para mim’. Ainda hoje falava com eles os dois, chamava-lhes as suas crias, fazia sessões de masturbação à distância diariamente bem como conversas telefónicas sobre temas do quotidiano.
Uma vez também me ligou, S. não tinha grande coisa a dizer, gostava de filmes de acção, Nicholas Sparks e de apanhar sol, talvez por isso a conversa esgotou-se em 20 minutos. Houve um daqueles silêncios em que nos parece fazer ver a cortesia a esperar a despedida, mas subitamente sussurra-me ‘ estou a masturbar-me desde o início da chamada’. Eu fiquei mais uma vez abananado com as palavras dela e senti-me um voyeur punheteiro enquanto ouvia os gemidos e orgasmos múltiplos dela. Ligou me mais uma vez e o ritual repetiu-se. Á terceira foi extremamente fastioso e monótono. Á quarta deixei de atender.
Com mais meses em cima voltou à carga ‘ Bunny tenho saudades tuas’, eu voltei a insistir para nos encontrarmos pessoalmente, devo admitir que mais que o sexo procurava conhecer a pessoa, em S. fascinava-me a sua força e visceralidade, a sua capacidade de se impor e de se aceitar enquanto tal sem se deixar comer pelas tretas positivistas dos psiquiatras. Mas S. não arredava, queria ser fiel ao namorado e não queria sexo. Propus-lhe que fossemos amigos e que nos encontrássemos sem nenhum propósito outro senão o da conversa e do álcool. Ela rejeitou vezes sem conta, nenhum de nós cedeu no braço-de-ferro, eu recusava-me a ser mais um dos fantoches dela e ela recusava-se a encontrar-se comigo. ‘Com quantas gajas já fodeste, bunny?’ – eu fui à minha lista, contei e apresentei-lhe o meu relatório, ela retorquiu que já não queria nada comigo, eu estava demasiado ‘mastigado e batido’. Tive de aceitar a recusa dela.
Numa Sexta-Feira quando ia a caminho do Porto recebi uma mms contendo dois redondos seios com a ergonomia adequada para poder caber na palma de uma mão. Perguntei-lhe o que significava aquilo – ‘apeteceu-me, estou muito triste’. O médico tinha-lhe dito que os seus ovários estão a estropiar, eu inventei uma miscelânea pseudo-psicanalítica defendendo que talvez o ímpeto sexual desacerbado do seu corpo fosse apenas uma vontade de reproduzir enquanto ainda fosse possível – ela riu-se muito e achincalhou o meu pudor. Voltei a tentar vê-la pessoalmente, ela declinou, o braço de ferro voltou e acabou como de costume – afastamento durante mais uns meses. Durante esse tempo fomos falando, S. conseguiu ser fecundada pelo namorado e debateu-se entre a sua vontade de ser mãe e a importância do curso de medicina por acabar. Acabou por abortar. Acabou com o namorado, voltou para o namorado, passou-se mais um ano onde contactamos muito esporadicamente.
Até que um dia quando estava a dormir num sofá do plano b senti uma mão no cachaço a acordar-me, levantei a cabeça e disse: está tudo bem João, estou bem a sério. Mas era uma cara seráfica de olhos de mel e de lábios finos – sou eu bunny, a tua mummy. A minha bebedeira não me impôs uma resposta certa ao enigma, lembro me do cheiro do cabelo castanho claro no meu nariz enquanto uma língua me passava pelo pescoço, o meu pénis a ser acariciado por fora das calças e tentei beija-la ao que ela se afastou e riu-se – sabes que sou fiel ao G. . Aí tudo fez estupidamente sentido para mim e dei um salto de estupefação – és um porco nunca me ligas nenhuma. Respondi-lhe que não era bem assim enquanto olhava à volta com medo que alguém estivesse a ver a cena. Vi um amigo meu a observar-me enquanto se ria e chamava o resto da matilha para presenciar. Não foi boa ideia, ainda hoje sou lembrado pelo estalo que levei de seguida.
No dia seguinte recebi uma mensagem a convidar-me para ir a casa dela com tudo explicitado: hora, local, indicações e pedidos de perfume. Apareci à porta bastante nervoso e assustado com a expectativa de não conseguir saciá-la como ela desejava. Entrei em casa, ela convidou-me para o sofá e apareceu outro rapaz. Tudo parecia estar a correr bem quando me apercebi que não era o colega de casa dela mas sim G., na minha cabeça tudo parecia simples: G. ficou com ciúmes e quis me encher de porrada para largar a namorada. Levantei-me prontamente cerrando os punhos e caminhei na direção dele – o meu primo ensinou-me a regra geral das porradas, quem dá a primeira bem dada ganha sempre. S. pôs-se no meio e disse me para me acalmar e respirar fundo. G. continuava sentado no sofá embora aparentemente nervoso. ‘Pedi ao G. para fazer sexo contigo mas concordamos que tinha de ser á frente dele e não nos podemos beijar’. A minha pergunta foi, claro, porquê eu? Ao que ela me respondeu tal como muitas outras mulheres – não és só tu. Relaxei um pouco tentando-me convencer que se aquilo seria natural para eles também o poderia ser para mim. G. ofereceu-me uma ganza, eu pedi que pusesse no youtube o shine on you crazy Diamond dos pink floyd. S. começou a desapertar-me as calças e enfiou-me dentro da boca dela, eu gemi pleno de sentimentos confusos até que olhei para G., este parecia incomodado mas também resignado. Aguentei aquele número um pouco por estupidez, sentia-me extremamente mal por estar a infligir dor ao rapaz, até que S. se despiu e os seus olhos ficaram consumidos de prazer e excitação, S. explicou-me: o G. adora ver me foder. Relaxei um pouco as leituras de Paul Ricoeur e comecei a aproveitar-me da vagina apertada de S. sem deixar de me questionar tantas vezes como seria possível ela foder tanto e ainda ter aquele formato tão apetecível. S. falou comigo com o registo hardcore do costume ‘cona’, ‘caralho’, ‘esporra’, ‘faz me sangrar’ etc. Havia nos seus olhos um misto de sofrimento e alívio, não sabia bem se estava a fode-la ou injetar-lhe morfina. S. começou a ser cada vez mais assertiva e a requerer ainda mais da minha performance sexual até que os seus pedidos se tornaram insuportáveis para G., este aproximou-se, deu-me uma palmada nas costas e disse: ‘está boa puto, podes largar’. Por cortesia e por respeito eu aceitei, sentei-me no sofá a assistir ao corpo de S. a arquear-se e vociferar: até hoje nunca vi sexo tão à bruta como o que eles faziam. Terminado o acto, G. foi tomar banho e S. aproximou-se de mim. Beijou-me loucamente, sentou-se em cima do meu pénis, cavalgou-me violentamente, apercebeu-se que o meu orgasmo estava perto e saiu para que eu ejaculasse na sua cara. Pegou no meu telemóvel e tirou uma selfie com o sémen a escorrer-lhe pela face. Pediu-me que guardasse a foto e que me masturbasse recorrentemente a vê-la. Eu anuí e pus a minha maior cara de frustrado/revoltado pois G. acabara de sair da casa de banho. Ele pediu-me desculpa por me ter interrompido arguindo que eu não estava a dar conta do serviço, aceitei o reparo e disse-lhe que já tinha tido uma namorada que tinha acabado comigo por ser mau na cama. G. riu-se, trocámos os ‘é fodido’ do costume e fui-me embora.
Quatro meses depois, S. ligou-me a dizer que estava grávida, perguntei-lhe se era do G. ou de qualquer outra rapaz que tinha sido presa dele(s), ela disse me que tinham feito o teste e que era mesmo de G., nunca me parecera tão feliz.

- um dia tens de escrever a minha história
- já te disse que só escrevo poemas e maus


Aviso



A revista Apócrifa prepara-se para lançar como tema Cerberus a.k.a o cão da morte. Enquanto Aníbal Luxúria Canibal se encontra distraído a espetar facas em si próprio, os restantes cães já reagiram. A cadelinha laica condenou veemente a intenta por julgar que existe uma clara vertente propagandística na publicação semanal organizada pelo defunto Colectivo Pré-Contemporâneo, segundo a mesma, a subjugação de todo o ser animado a questiúnculas políticas sem nenhum relevo para a redenção da terra pode ter consequências inestimadas para a oxigenação da vida. Posição diferente assumiu Rex o cão polícia que considerou normal haver este tipo de iniciativas por parte de jovens ‘é melhor andarem a escrever textos do que metidos na droga ou no PAN – estamos fartos de auto-empossadas vanguardas da classe operária’ e acrescentou ‘desde que esteja tudo dentro da normatividade jurídica não me parece haver grande problema’. Já o Snoopy tem muitas dúvidas em relação ao virtuosismo deste tipo de iniciativas, relembra que adulterações dos nomes podem ser particularmente injuriosas tal como a que foi feita por Snoop Dog, indivíduo que não só nunca pediu desculpa publicamente pelo seu acto como demonstrou desprezo oportunístico na mudança de nome para outro que fosse mais vendável em face da sua nova ‘orientação musical’. Esta não é a primeira notícia de queixas semelhantes, veja-se o caso dos herdeiros de Sir Camelot que ficaram atónitos quando apareceu um actor de filmes pornográficos com o nome ‘ Sir Cum a Lot’. Contudo, os detentores oficiais de toda a obra material e imaterial de mitos civilizacionais defuntos não vão esperar que tal ofensa ocorra de novo ‘só nós podemos retirar proveito económico dos trabalhos deles’, assumiu publicamente o cão David, ‘a minha vida toda passei a fugir de um monstro de bullying chamado Doberman chamado Talento que andava sempre com um Bulldog chamado Perícia Crítica’ – (nota: esta informação pode parecer desenquadrada mas o autor considera que toda a questão biografista-ó-confessional tem sido injustamente desprezada pelos críticos literários’).  Já a caniche de apartamento, também presente nesta categoria genérica obituária, apareceu a ladrar durante uma ocupação ao lidl enquanto mijava no talho flores de plástico como etiquetas a dizer: obrigado por me defenderes meu cão-de-fila / afinal sempre posso morrer em cada verso meu que é lido em público / mas tu estarás lá sempre para mim’. Quanto ao lobo-das-estepes, herdeiro da parte remanescente da obra, observou-se uma curiosa reacção : ‘pá esses putos estúpidos deviam largar a Porfírio e malhar masé nos cabrões do Gota Institut – estou farto que me carimbem o cu!’.