segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

holy cancer

The soul started climbing the stairs of emancipation
Wheel spinning over the rooted and timeless routine
Way far from the haunted fields of meat
Finding suicide in the interpenetration of hope and lust

Let us enter the temple of nobody’s land
Where the rivers cry for their beloved mistress
And we, also abandoned children from love,
We decide to march through the last gate

With blinded eyes and grotesque impulses inside our hearts
We crawl like bastard snakes
In the end origin of all the punishment
For those who decided to taste poems with their tongues

Then I stepped into an avalanche
It almost killed my soul
I was drenched in the basements of my anger
Wondering who to kill after the horizon had been defeated

There were innocents wondering around
The forsaken blood of a broken star
And the peregrines kissing the floor
Wanted to rebuild it by worshipping their path to the sheltering sky

And still there was no answer to the voices inside our minds
For which normativity should we stand for
To which beauty should we bow
And to whom should we offer our discipline

Pure willingness to use our hands
For no purpose beside firing to the moon
The harvest tale that was widely shut
By the contemplation of the opened fruit

But the liquor couldn’t fulfil the anger
Neither the open space between ourselves
So the snow kept covering my body
Holy cancer, waited liberty, visceral freedom.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Vítor

Ele levantou os olhos em direcção de Dália e disse: estou estéril. O primeiro intuito da mulher foi tocar-lhe o pénis e provar a verdade dessa confissão, mas cedo percebeu que Vítor não estava a falar da sua genitália. Tremia nas suas mãos um frenesim endiabrado, o seu olhar lançava pequenos fogachos de dor, de músculos convulsando espasmos e de boca dançando como um cocaínado pela face, Vítor reiterou: estou estéril. As suas pernas também tremeram, os seus braços caíram inertes sobre a cama, tentou levantar uma mão, depois a outra, mas nada, apenas o olhar sarcástico e acutilante da caneta fugindo como um cavalo selvagem pelo campo. Era malicioso esse olhar, tinha em si uma conjunção simétrica de desprezo, vingança e nojo, Vítor percebeu que jamais a caneta queria ter sido usada para o intuito dos seus versos, mas esperou dela outra consideração, outra solidariedade, porque na mais pura das verdades, nem Vítor queria ter sido usado para usar uma caneta.
Não raras vezes enquanto escrevia deparava-se com a obscenidade que estava a cometer, olhava assustado para si próprio no espelho: que monstro é este que estou criando? Que obsceno acto de cópula e reprodução tem a pornografia dos gestos que esboço sobre este papel? Os seus amigos invejavam-lhe a sua capacidade de catarse pela poesia, diziam que essa seria uma forma nobre de se livrar dos seus tormentos. Mas Vítor, sempre cativo, escravo e penitente, nunca compreendeu muito bem o que era isso da catarse, nem alguma vez percebeu de todo o que era isso da liberdade na escrita. Ele era escritor por obrigação, por imperativo, por mando, Vítor um mero e pobre seguidor, de rastos famigerados repelctos de sede, da voz que lhe segredava por dentro do corpo.
Que voz é essa, perguntava inúmeras vezes. Um dia tentou descortina-la, desembrulha-la, mostrar ao mundo como ela era, chamou Dália sua namorada e disse: Meu amor olha o que eu tenho dentro de mim! Mas mal ele se preparava para evocar o que lhe dizia a voz calou-se, ele esperou mais uns breves momentos mas nada, absolutamente nada, ficava expectante boquiaberto sem um único fonema lhe ser consentido. Depois, esperançoso, foi à gaveta da memória procurando por alguma gravação da voz. Nada. Mais uma vez nada. Todos os registos haviam sido destruídos, ele esgravatava e escarafunchava mas não encontrava nem vivalma, alguém tinha chegado antes dele. Fez uma promessa: da próxima vez que ouvir essa voz, vou escreve-la. E nesse exacto momento a voz reapareceu ditando-lhe um romance do início ao fim. Vítor ficou quatro dias sem comer e beber, dedicado inteiramente ao seu hercúleo trabalho, riu-se alto como Fausto, regozijou-se sarcástico como Bocage, até que a voz lhe disse: obrigado, era para isto que eu te queria, adeus. Desapareceu, Vítor percebeu como tinha sido enganado e que o seu intuito de desvendar essa estranha voz tinha sido em vão, na verdade, tinha apenas feito o que ela queria.
Continuou várias vezes súbdito da mesma, poderia estar na cama com a sua namorada, dando umas linhas de coca com os amigos, jogando xadrez com seu avô, que bastava a voz aparecer para ele largar tudo e agarrar-se ao seu caderno. Quando renegava às directrizes da sua proxeneta ela era intolerável, primeiro esmagava-lhe o ego com todas as revelações e humilhações possíveis e uma vez destruído o ego possuía-o enorme e interminável inquietação, fazia-se de tremores, suores, gemidos sorrateiros de dor. A cada momento, essa ânsia ia crescendo, começando pelos vómitos, pelos gritos e quando Vítor se dava conta, já os seus pulsos banhavam de sangue uma faca.
E a caneta, a caneta sabia disso tudo, não era justo o olhar que lhe retribuirá, Vítor estava tão encarcerado quanto ela. Nessa solitária prisão, perdeu anos de vida, os seus cabelos volveram-se brancos, os seus dentes foram se evanescendo, os seus olhos ganhando tonalidades avermelhadas, a sua barba crescendo floresta inóspita e muitos piolhos dançando por todo lado. Depois de completamente sugada a sua vida e jovialidade, sentiu-se subitamente abandonado. Gritou uma terceira vez: estou estéril. Dália assustou-se, cedo percebeu que ele estaria perto de mais uma das suas crises, foi buscar água e deu-lhe a beber na boca, Vítor não estava bem e desta vez não era como as outras, ela sabia-o. Primeiro foi-se a força nos braços, depois o corpo começou a tremer propulsionado pelas pernas, o coração acelerou num ritmo frenético. Dália percebeu que era provação da voz, porventura esta quereria soltar-se mas não conseguia devido a casmurrice do Vítor. Escreve Vítor, por favor, escreve, já sabes que tens de escrever quando é assim, disse-lhe, mas Vítor disse-lhe que não, não valia a pena, os seus braços não se mexiam. Virou os olhos para dentro e disse à voz, o que queres de mim? Não te chega tudo o que te dei? As obras que fecundei? Os momentos que martirizei? Mas a raiva não o levava a lado nenhum. A convulsão aumentava de tom, a agonia alastrava-se por todo o corpo e da sua boca já jorravam jactos de vómito por todo lado, então que gritou, fura-me, fura-me que ela quer sair. Dália pegou na faca mas era incapaz de furar o seu mais querido. FURA-ME CARALHO, FURA-ME JÁ. Dália tremia. FURA ME SUA PUTA NÂO PERCEBES QUE PRECISO QUE ME FURES CARALHO. Dália continuava hesitante. COMI A PUTA DA TUA IRMÃ NO NATAL, MENTI-TE SUA CABRA. E aí tomada por loucura momentânea, Dália começou a esburaca-lo com a sua faca. Na cara de Vítor nunca houvera tamanho alivio e felicidade, agradeceu a Deus ter-se lembrado daquela mentira e morreu em paz.
E nesse exacto momento, uma voz iluminou esta história no silêncio do meu corpo.