domingo, 8 de fevereiro de 2015

XXIII

Amava-te pela tua senilidade
na dança de quem usa a bengala como detetor de minas
à procura de encontrar nas raízes
uma geração louca esfomeada que para conquistar terras a cheirar a mato
componha odes para violinos com facas sobre os tendões

tu esmurravas a manhã mansa porque eras o único crédulo
uma multidão assertiva e contestária lá fora
era apenas ruído
os teus olhos vermelhos a cilindrar a madrugada
tinhas uma outra economia para as coisas de trazer por casa
e os gatos pareciam abácos com crânios de palavras

era escuro o lugar onde fumavas
a procurar entre os bafos expelidos algo onde te agarrar
para te elevares para lá do quarto
para lá dos incêndios que ninguem queria engolir
muito embora escrevesses poemas com espátulas.

A solidão das coisas caía às gotas na tua sala
mas o charco não fazia um espelho aos passageiros
havia demasiadas ruas proibidas, outras tantas fechadas pelo Estado
mas tu ainda mostravas uma violência sã
não parecias desejoso de palmadas no dorso
tu que querias morder com um cão danado
continuavas à espera nas Urgências
como o fósforo mais sensível da noite