sábado, 31 de julho de 2010

Gustavo

A luz queimava a sua pele pálida. A carne, uma vez repentinamente iluminada pelas luzes artificiais da casa, lembrava o reflexo choroso das pernas de porco quando penduradas nas salas refrigeradoras dos talhos. De resto, esse lamento era raro, sobre o quarto o corpo aninhava-se na escuridão quase todos os tempos, ocupados, como todos os outros, a dissecar o mesmo. Como foi morta a carne que originou ao momento meditativo em que se encontrava, nunca ninguém soube responder a não ser o próprio, não a própria, o próprio, o proprio que se julgava superior a própria, superior o suficiente para se criar como próprio. Poderia parecer portanto quase irónico a crença na presença por entre as letras esguias dos livros , desenhado entre o branco espectral da matéria das folhas, do seu criador, como se de uma identidade externa se tratasse, essa irónica interpretação da descrição exaustiva e pesada dos infindáveis traços-rugas de tão velha crença.
A substancia da crença não e levitativa, e por entre a miséria obscura do seu quarto, apenas rasgada por confusos raios luminosos que furavam o escuro, a agonia da aura de Gustavo era a base da sua crença. Ao lógico processo das coisas, a evidencia quase irrefutável da terra, da semente que quando plantada gera uma arvore, que gera frutos, que caem e apodrecem, ao ranger sub-reptício a todos os procedimentos, desde da mulher que se entrega a seu homem, ao corvo que caca a sua presa, ao gato que lambe o seu pelo, só se poderia opor, ao ranger das coisas, o completo processo que se operava dentro daquele quarto, como se Gustavo conhecesse o zero, e tivesse materializado o negativo, como se tivesse encontrado o terceiro quadrante do referencial, espácio-temporal, abicsso-ordinal. E se não mesmo o fosse, o que seria? O que seria tudo aquilo que o homem sentia, fazia, criava, imaginava, lutava? O que seria aquela atulhada de merda que os psicólogos tanto se ocupam em enquadrar ridiculamente em discursos que só valem por exemplares de uma eloquência sustentada pelos manuais de retórica?
A Gustavo pulsava-lhe a certeza a noite, quando ate as gaivotas que se intrometiam entre as suas persianas no seu silencio partiam, a sua cara ganhava a cor de chama da crença, a crença que agora lhe consumia a face, e que a medida que ele se agarrava como um louco a ela, julgando se ele não ir com o tornado do tempo, o consumia, e como são Jorge estucando o dragão, assim a o ranger das coisas começou por agonizar a aura silenciosa de Gustavo, para depois mata-la, matando-o, a própria, e ao próprio, mas sem se rir como os vilões, nem clemência como os juízes, matando apenas.