quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Otelo

Vagueia muito ao jeito do vento, óculos escuros a pender para a ponta do nariz, cigarro na ponta esquerda da boca inclinado como se fosse palha, casaco de cabedal preto sobre uma camisola decotada em 'v'. A teia hormonal subjacente a rua muda de cor, o próprio micro-cheiro emanado pelas vaginas transeuntes muda, as meninas de plástico dos anúncios da intimissimi sorriem e os ragazzos da hugo boss mingam volumetricamente entre as pernas. Cheira a Otelo, há mais algum frenesim no ar, como se de repente se visse sobrelotado do transpirar quase ofegante das mulheres, estas debatem-se furiosamente com os espelhos, apertam mais as blusas (algumas mesmo o soutien) e assumem poses mais requintadas. Quando ele passa, há quase um remoinho, as que se julgam dotadas de pernas sentam-se cruzando e descruzando-as, as que se julgam favorecidas de peito deixam cair objectos ou cruzam os braços, as que se pensam mais dotadas de rabo puxam as calças para cima e procuram que o primeiro contacto visual de Otelo seja com o seu rabo. Passa uma colega antiga de Otelo pela rua: reacção primeira, a ex-colega que tinha passado antes roga pragas a Otelo por nao a ter reconhecido e no próximo encontro com as amigas vai simultaneamente criticá-lo e inventar uma vã tentativa do mesmo de a beijar numa ocasião perdida há mais de cinco anos, a rapariga que claramente indicava ter uma copa 'c', para desgosto do nosso dandy, olha para a copa 'b' da mulher que fala com Otelo e pensa que este será uma perda de tempo, outra, com um estilo conservador e clássico, recusa-se a ser confundida com mulheres do estilo plebesco que Otelo conhece: também com inveja faz alusão a falta de depilação das esquerdistas, as seguintes mulheres à espera que Otelo por elas passe aprumam-se e esperam que ele precise de um isqueiro. O don juan atira-lhe uma frase como uma mordidela erótica no pescoço, para ele, a frase de abertura deve seguir os cânones básicos da música clássica: começa-se sempre por apresentar o tema sobre que se vai reflectir a obra. Esta afirmação tem três objectivos, fazer um elogio que desconcerte a fêmea, mostrar desbocamento suficiente para a provocar, e lançar o caminho da conversa. O caminho da conversa é simples, deve-se encaminhar a doçura para cair em quatro ou cinco confissões que depois sirvam para a provocação, para a pôr em causa; sobre pressão a mulher acaba sempre por ceder. Mas Otelo tem outros planos para os seus tempos, as ex-colegas são recursos, as ex-amigas, as ex-amigas de amigas, a prima da prima, a filha da amiga do pai, a doida que conhecera num jantar quando ainda estava comprometido, a ex-namorada de um primo mais velho, a amiga da irmã mais nova que num ano arranjou um peito desconcertante, toda essa lista é a lista de recurso, aquela inventorização das mulheres com que já houve um momentâneo clique, onde houve aquela conexão que deu a sensação de que era possível e, sobretudo, que valia a pena. Mas Otelo já se encontra saciado por momentos, e toda a boa poupança é importante, tudo deve ser mantido no cofre até ser necessário. Termina com uma frase espirituosa, um cliché que dê a impressão de haver um futuro andamento, como na música clássica, mais fogoso, mais intenso: que resolva a tensão. Continua a andar, uma rajada de vento passa humilhando uma pobre rapariga que mal se aguenta em pé quando houve um trocadilho com a Marylin Monroe. Chegado à esplanada onde estava a rapariga que o esperava, Otelo nem precisa de conversar para perceber se vai dar ou não, ri-se do nervosismo da rapariga, como da sua tentativa de ficar por cima.

4 comentários:

maria disse...

quando escreveste isto, amigo?

Vasco disse...

ha uns tempos, dias julgo, é recente portanto, porque? :)

maria disse...

Porque é terrível :)

Vasco disse...

muito agradecido, amiga(?)