quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Júlio

Não sou um personagem de romance. Não leio Hemingway ou Amado, não papo grupos, não tenho paciência para idolatrias parvas de iconoplastias vazias, não aspiro a ser um fiel combatente anti-falangista ou o palpitar do partido comunista nos recônditos da Amazónia. Grandes Heróis? Paladinos dourados de espada em punho pela revolução? En garde, Garrel dispara: 'faire la revolution pour le ploretariat malgrès le ploteriat?'. Na mosca.
Queres o amor? O amor eterno, inalcançável, as grandes juras, os grandes desafios, o desabar do real, a verdade chegando de vestido branco anunciando ' Rejubilai meus filhos, sou a aurora'?
Não sou um personagem de romance, evito ler livros, não sou mártir de nenhum ideal: queres mártires? Senta-te a ver os rios passar com um revolucionário de Abril que aguarda a morte. Este país não é para velhos, o pobre coitado, guerreiro inflamado de outras épocas, líder libertário de consciências, hoje só encontra conforto nalguma mística empossada num lirismo que faz das suas lágrimas a harmonia da faina. Que fizeram do seu país, como o corromperam, como o subverteram, como lhe puseram o rótulo de dispensado, quase dom quixote, certamente 'herói'. Passado, portanto.
Se queres um herói abraça-o, alberga-o no teu corpo maternal, fá-lo depositar em ti o seu desespero: pode ser que ele em ti ainda se consiga iludir de novo. Eu só tenho uma vida e quase a certeza absoluta de que só esta tenho, que quando morrer as cortinas fecham-se e nada mais há para alem dela; tudo acaba, é o fim do universo: o universo só existe em mim. Daí poluo, e poluo bué, insulto o Al Gore e faço-te chorar. Pelo monstro que sou, pelo monstro que a existência me faz tornar, ou melhor, que a consciência da existência me faz tornar.

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