sábado, 26 de março de 2011

Afonso

Assim é o mundo, assim se enganou o Zeca, disse-me. Os verdadeiros vampiros, não são os génios ocultos na sombra que dominam o povo, os verdadeiros vampiros são também aqueles que são dominados, pela sua animalidade. Esses seres que sugam do planeta vida, torrente, fonte e luz e a transformam, cagando, borrando, secretando, vomitando, em despojos neste ghetto global. A feira, os berros e as histerias, os delírios e as pompas, todos regateiam, todos se movem, primeiro soturnamente como que deambulando, depois animalescamente contra um colchão, ainda sujo dos fluídos ressequidos de outras noites. Parece que, como num quarto fechado ao odor apodrecido das suas manchas, também sobre o mundo paira, esta emanação da bestialidade, do homem besta, do homem vampiro. Dir-se-ia que é a vã cobiça, a tacanhez mundana, mas não, não seremos ingénuos ao ponto de pensar que há algo de imaterial que os consubstancia, a única coisa que os cosubstancia é a sua condição, homem uma vez, homem mil vezes, homem vezes de mais. Assim os seres se entregam àquilo que os ébrios da volumetria do seu pénis consideram ser a dança do quotidiano, mas que a Afonso mais se asssemelha a uma vila saqueada, pela imoralidade e pela desordem. Na família humilde onde nasceu, lavam-se ainda lágrimas da anterior pacatez da vila, ensinava-se os bons costumes e o trabalho, a honestidade e a rejeição da sobranceria: então, como poderia alguma vez o pobre Afonso, quando ainda jovem, aceitar a total acefalitude do seu primo, essa máquina atávica de consumir chocolates e de programas pedagogicos para criancas? Ah, como ele odiava as suas birras que o impediam de estar descansado no seu quarto a ler, e como ele desejava um dia, poder ser livre e morar fora da casa da família e conquistar essa sua liberdade. Seu primo, em tudo se deixaria levar pelo grau zero da humanidade, na sua ansia burguesa de pertencer a algo, os seus pais enchorrilavam o pequeno leitao com todas as actividades extra-curriculares que se podia imaginar, o pequeno leitao um dia tornou-se um porco, e precisou de comer mais, um dia fez-se jovem, e tal como um menino mimado sempre a chorar pela resolução dos pais, também passou a chorar pelo sistema, considerar que era o sistema educativo que o excluía. O 'Pai Estado', o 'Pai Estado' e as suas crianças mimadas, sempre a chorar, sempre a reenvendicar mais um pouco de atenção, mais uma bolsa, mais uma aspiração material, mais um direito. E o trabalho? Por onde se perdeu o trabalho? Por onde ficou a nobreza estoica dos seus antepassados que deixaram a sua pele no campo de tanto a cavarem, e que aprenderam como o suor de sol a sol era o melhor adubo para quem comer os seus próprios frutos. Foi por isto que fizeram o Estado Social? Para não se trabalhar? É esse o comunismo? A revolta dos que aspiram a uma vida acéfala e bohémia? Ide mas é trabalhar, ide libertar-vos desse marasmo, disse-me.

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