a noite transbordou as pedras obscuras
o miasma agora é caro para os solitários
por mais que ele chie à passagem dos comboios
por mais que eles espalhem clarões sobre objetos inimagináveis
para quem aprendeu a pulsação pelos livros
há quem deixe escorrer pelas mãos
segredos nunca confessados sobre a falta do frio invernoso
porque a miopia das cicatrizes obsta à nitidez necessária
para coser de novo o significado das membranas perdidas
as paredes dos prédios tremem de uma ânsia doida
de quem está enraizado há décadas na mesma circunscrição
murmuram preces na catedral dos nossos sonhos
para que as madrugadas adquiram finalmente uma propriedade salvífica
o vento engendra a sua composição de jornais rasgados na rua
sem contudo enunciar nenhuma narrativa sanatória
por mais que esbarrem sobre os noctívagos desterrados
quando andam à procura da promessa de carne
dos venenos que antes se avolumavam nos cantis
os mamilos eriçam-se mas por defesa
porque já ninguém quer os calafrios do inesperado
o turbilhão da incógnita a rejubilar nos signos
um voo rasante à descoberta dos destruidores dos arquétipos
o culto paradoxal da iconoclastia
luz já só queremos luz
mas as íris desapareceram dos dedos
e os trocos que foram colhidos por lavoura ordinária
já não pagam boleias para o descanso mortífero das casas
ficamos perdidos à procura das tomadas com a língua
pois é certo que em nada fomos preparados para esta miséria
para tanta coisa tomar pela mão o nosso interior
pois já nem reconhecemos a mão que vemos a esfaquear
a promessa de calmia encarnada no corpo amado
imitamos o bolor a alastrar-se na parede
como a sombra imita os gestos sobre o pano
assim escrevemos cartas públicas a reclamar brancura
e o silêncio transforma-se no melhor ópio
para quem já só quer crepitar ao observar a metamorfose
do oriente circense sobre os náufragos
cantados por um poema épico sem qualidade
à imagem do caos a escorrer pelas bordas dos contentores
a nódoa é agora a única metafísica crível
os nossos olhos são magros em secura
já nada nos faz verter lágrimas
tal já é a indiferença perante o nosso corpo
por já termos obrigado ao suicídio até ao cartomantes benévolos
que pagamos com os dentes das nossas presas inocentes
somos um rio que nunca arrebentou as veias
mas a cidade já toma por identitária o nosso cheiro
por lhe lembrarmos os seus becos de juventude
e promessas difusas de particularidade sobre a urina da divisão do trabalho
mas tudo nos invade a ponto dos peixes ficarem andrógenos
de os canibais se aborrecerem de tédio
pois a revolta é em tudo harmónica
as vozes perderem o chão erigido pelo bordão
por isso ficamos em queda livre sem ter uma única corda irrepetível
no meio da proliferação obtusa de um mesmo
tão podre e vazio por dentro
que a reprodução massificada triunfa sobre o fogo irrepetível
assim as cinzas serão indiscerníveis
por mais que a poesia prometa obituários
ou qualquer tipo de outra ordenação cuidadosa
e o profeta terá razão por uma via ironicamente corrosiva
quando anunciou o fim da norma e de toda a propriedade
o nosso enjoo é a prova que se tudo tremer será insuportável
terça-feira, 30 de junho de 2015
domingo, 24 de maio de 2015
1
escrevo-te para falar da fome
lembras-te?
dos automóveis a correr para os muros
de te debruçares para apanhar os restos do chão
como se eles pudessem tornar as tuas olheiras mais escuras
era uma cidade construída para te obstruir os cabelos
para impedir que as lágrimas seguissem o seu rumo
até à nascente do precipício
queríamos todas as infeções saciadas
com a sua ração servida a horas
para as periferias da civilização
terá sido para isso que criámos as reproduções?
para termos onde alojar os nossos vícios
tirar os filtros, pisá-los no chão
desaprender a Arte do tabaco
de compreender a vida pela mortificação
quando eramos adolescentes de lábios carnudos
a desejar ser penetradas por falos cheios de areia
mãe porque eu vejo tudo tão turvo
apesar de estar tão sóbrio
mãe todos os meus pesadelos são grotescos
como se quisesse lembrar do que ouvia do mundo
quando dormia na tua placenta
agora continua escuro em meu redor
por isso nem imaginas as danças que faço com os braços
símbolos que descobrem ser pássaros
muito antes de terem ficado esfomeados
por terem proibido o espúrio na metrópole
ou as mãos terem sido obrigadas a cerrar-se
para o poder nos ritmar o mea culpa
como é que te esqueceste, Frederico, que a dúvida é sempre uma vontade de resposta
que a descrença é o mais puro idealismo
envenenaste uma geração toda só com o olhar
e pela forma como o teu sobretudo absorvia a luz do sol
dir-se-ia um tentáculo voraz, insaciável, contorcendo-se
ou apenas costura de um fundo silenciador do grito da queda
a concretização da contemporaneidade
multiplicou o ruído incessante do falar comum
por isso andávamos anestesiados pelo som desse bordão grave e místico
pelas ruas da cidade a tropeçar pelas calçadas
deslizando pelo vómito das cocotes
rindo-nos de tudo
se o orpheu teve o ópio
nós descobrimos o escárnio
lembras-te?
dos automóveis a correr para os muros
de te debruçares para apanhar os restos do chão
como se eles pudessem tornar as tuas olheiras mais escuras
era uma cidade construída para te obstruir os cabelos
para impedir que as lágrimas seguissem o seu rumo
até à nascente do precipício
queríamos todas as infeções saciadas
com a sua ração servida a horas
para as periferias da civilização
terá sido para isso que criámos as reproduções?
para termos onde alojar os nossos vícios
tirar os filtros, pisá-los no chão
desaprender a Arte do tabaco
de compreender a vida pela mortificação
quando eramos adolescentes de lábios carnudos
a desejar ser penetradas por falos cheios de areia
mãe porque eu vejo tudo tão turvo
apesar de estar tão sóbrio
mãe todos os meus pesadelos são grotescos
como se quisesse lembrar do que ouvia do mundo
quando dormia na tua placenta
agora continua escuro em meu redor
por isso nem imaginas as danças que faço com os braços
símbolos que descobrem ser pássaros
muito antes de terem ficado esfomeados
por terem proibido o espúrio na metrópole
ou as mãos terem sido obrigadas a cerrar-se
para o poder nos ritmar o mea culpa
como é que te esqueceste, Frederico, que a dúvida é sempre uma vontade de resposta
que a descrença é o mais puro idealismo
envenenaste uma geração toda só com o olhar
e pela forma como o teu sobretudo absorvia a luz do sol
dir-se-ia um tentáculo voraz, insaciável, contorcendo-se
ou apenas costura de um fundo silenciador do grito da queda
a concretização da contemporaneidade
multiplicou o ruído incessante do falar comum
por isso andávamos anestesiados pelo som desse bordão grave e místico
pelas ruas da cidade a tropeçar pelas calçadas
deslizando pelo vómito das cocotes
rindo-nos de tudo
se o orpheu teve o ópio
nós descobrimos o escárnio
domingo, 8 de fevereiro de 2015
XXIII
Amava-te pela tua senilidade
na dança de quem usa a bengala como detetor de minas
à procura de encontrar nas raízes
uma geração louca esfomeada que para conquistar terras a cheirar a mato
componha odes para violinos com facas sobre os tendões
tu esmurravas a manhã mansa porque eras o único crédulo
uma multidão assertiva e contestária lá fora
era apenas ruído
os teus olhos vermelhos a cilindrar a madrugada
tinhas uma outra economia para as coisas de trazer por casa
e os gatos pareciam abácos com crânios de palavras
era escuro o lugar onde fumavas
a procurar entre os bafos expelidos algo onde te agarrar
para te elevares para lá do quarto
para lá dos incêndios que ninguem queria engolir
muito embora escrevesses poemas com espátulas.
A solidão das coisas caía às gotas na tua sala
mas o charco não fazia um espelho aos passageiros
havia demasiadas ruas proibidas, outras tantas fechadas pelo Estado
mas tu ainda mostravas uma violência sã
não parecias desejoso de palmadas no dorso
tu que querias morder com um cão danado
continuavas à espera nas Urgências
como o fósforo mais sensível da noite
na dança de quem usa a bengala como detetor de minas
à procura de encontrar nas raízes
uma geração louca esfomeada que para conquistar terras a cheirar a mato
componha odes para violinos com facas sobre os tendões
tu esmurravas a manhã mansa porque eras o único crédulo
uma multidão assertiva e contestária lá fora
era apenas ruído
os teus olhos vermelhos a cilindrar a madrugada
tinhas uma outra economia para as coisas de trazer por casa
e os gatos pareciam abácos com crânios de palavras
era escuro o lugar onde fumavas
a procurar entre os bafos expelidos algo onde te agarrar
para te elevares para lá do quarto
para lá dos incêndios que ninguem queria engolir
muito embora escrevesses poemas com espátulas.
A solidão das coisas caía às gotas na tua sala
mas o charco não fazia um espelho aos passageiros
havia demasiadas ruas proibidas, outras tantas fechadas pelo Estado
mas tu ainda mostravas uma violência sã
não parecias desejoso de palmadas no dorso
tu que querias morder com um cão danado
continuavas à espera nas Urgências
como o fósforo mais sensível da noite
sábado, 13 de dezembro de 2014
XXII
por uma nuve de fumo
emerge o meu craneo calvo de olhos
as luzes da cidade projectam-se lhe na face às estaladas
rasgões repentinos e frenéticos contaminados por sombras
homens curvados como bestas insaciáveis
que paulatinamente progridem para uma certa erecção na postura
sorrindo replectos de merda na boca
julgamos poder viver ai prostitutas baratas
obrigados a assistir a todos os milagres da representação
agradecendo com todos os louvores a enfermeiras-serpentes
que faziam da nossa velhice um momento para cuidar da nossa demência
com o medicamento por longos tempos fermentado
debaixo de uma língua sem palavras
Aborrecemos-nos nas estantes do tédio
até que uma outra raiva se levantou dentro nós
como um pedido por Deus perdido no meio deserto
E gritámos de felicidade quando nos ofuscaram com um clarão contínuo
a imagem perfeitamente estanque duma terra intelígvel
onde pudessemos enfim suportar as paredes da cara
mas assim que aproximamos as mãos das coisas
três vultos terríficos apareceram num ápice
manifestações de um subsconciente oculto que nos aprisionava
cada vez que a nossa boca balbuciava a palavra carne
percebemos que forâmos feitos da costela de um patriarca ascético
e por isso sem gula mordemos convictamente todas as maçãs
queriamos à fina força plantar no chão raízes que nos ligassem ao húmus
mas elas apenas nos arrastaram vertiginosamente
para a nossa condição prévia de tela passiva
profanados pela difusao constante de um enredo estrangeiro e ordinario
e não só os cães nos confundiram com bocas-de-incêndio
quando nos ajoelhamos no meio das estradas
olhos fechados e boca semi-aberta
a esperar o cair da primeira gota de chuva
sobre a nossa testa
emerge o meu craneo calvo de olhos
as luzes da cidade projectam-se lhe na face às estaladas
rasgões repentinos e frenéticos contaminados por sombras
homens curvados como bestas insaciáveis
que paulatinamente progridem para uma certa erecção na postura
sorrindo replectos de merda na boca
julgamos poder viver ai prostitutas baratas
obrigados a assistir a todos os milagres da representação
agradecendo com todos os louvores a enfermeiras-serpentes
que faziam da nossa velhice um momento para cuidar da nossa demência
com o medicamento por longos tempos fermentado
debaixo de uma língua sem palavras
Aborrecemos-nos nas estantes do tédio
até que uma outra raiva se levantou dentro nós
como um pedido por Deus perdido no meio deserto
E gritámos de felicidade quando nos ofuscaram com um clarão contínuo
a imagem perfeitamente estanque duma terra intelígvel
onde pudessemos enfim suportar as paredes da cara
mas assim que aproximamos as mãos das coisas
três vultos terríficos apareceram num ápice
manifestações de um subsconciente oculto que nos aprisionava
cada vez que a nossa boca balbuciava a palavra carne
percebemos que forâmos feitos da costela de um patriarca ascético
e por isso sem gula mordemos convictamente todas as maçãs
queriamos à fina força plantar no chão raízes que nos ligassem ao húmus
mas elas apenas nos arrastaram vertiginosamente
para a nossa condição prévia de tela passiva
profanados pela difusao constante de um enredo estrangeiro e ordinario
e não só os cães nos confundiram com bocas-de-incêndio
quando nos ajoelhamos no meio das estradas
olhos fechados e boca semi-aberta
a esperar o cair da primeira gota de chuva
sobre a nossa testa
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
XXI
Vagueei pelas ruas matinais como ave de mau
agoiro
murchando as plantações de sono por dentro dos
dormitórios
Com a minha passagem lenta e enjoada à porta
desses habitáculos
Sou inspecionado e inquirido pelos porteiros
E muito por de trás do seu queixo interrogatório
Vou rasgando os casulos para impor verdades
precoces
Sobre o sentido mecânico do caminho
E o porquê das principais peças agora serem
importadas
De países onde a contrafação é obra tosca de
mãos negligentes
Que não sabem o que tem de responsabilidade
sobre o silêncio no espaço
Lugar de longas vistas pausadas sobre
horizontes ininterruptos
Sem obeliscos onanistas a intentar um poema
contínuo
Faltam-lhes pulmões que não arrebentem com a
pressão atmosférica
Com a vertigem e a fome obcecada por entendimentos
pederestes
Porque se chegassem ao pico do Evereste
púlpito do auditório do mundo
Seria para protestar contra a falta de
subsídios para cumprir os desígnios
Que lhes prometeram quando se julgava que
ainda era útil cantar-lhes o hino nacional
Esperando lucrar a prestações futuras toda uma
carreira contributiva de benfeitorias
Coleções de fotografias a dar de comer a
pobres e a abraçar pretos
São o inverso dos ciganos sentados nas
soleiras exaustos
após tanto terem caminhado pelas avenidas
deste mundo
mirando agora o céu de olhos lavados de quem
olha e tem muitos e largos olhos miúdos
Para esquecer o negrume a lixo que se lhes encrostou
nos dedos
E nunca cumprimentar por nojo todos os
restantes viandantes
Que ostentam a horas calendarizadas pela inspeção
militar
Pequenas mãos trémulas na lividez higiénica
Porque para esses a putrefação dá-se
essencialmente por dentro
Talvez só a solidão explique tanta necrofilia
a pulsar por dentro dos poetas
domingo, 7 de dezembro de 2014
Minha Geração
Lembro-me com muita inveja de um texto do
Manuel António Pina sobre a sua geração, era um lamento por ter observado uma
decadência desde os tempos que andava de braço dado com os seus pares em
cordões humanos imensos. Depois chegou o fenómeno da divisão do trabalho e
consequente verticalização dos assentos. Mas Pina lembrava-se lacrimoso desses
tempos para de seguida perguntar, hoje, que era feito das juras e promessas passadas,
dos gritos éticos a que ninguém chamava ainda ‘imperativo de consciência’ mas
apenas fazer política.
A minha inveja para com o Pina é por eu nunca
ter tido esse tempo áureo passado, quando a minha geração despoletou já foi
para vir pelas montanhas a entoar cânticos a feder a coelho e tristes bichas operárias. Mal lhes nasceu o primeiro
pelo púbico e as mais brilhantes gentes
do meu tempo se dedicaram ao negócio da trepa e os outros, os menos
atentos, dedicaram-se ao festival dionisíaco de profanação do rendimento dos
pais. Não somos a geração dos indignados somos a geração da mini a 50 cts, do
calhau de ganza a 5 euros e das entradas à pala.
Também por isso os protestos e levantamentos
onde jovens participam se caraterizam muito recorrentemente por não ter uma
agenda ou uma proposta. Eles estão completamente alienados da sua capacidade fabulatória
e imaginativa sobressaindo a uma raiva ontológica que nunca saberão converter
em ideológica.
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Agora, Agora
Até podiam ainda existir
teclas sãs na máquina de escrever
mas nós rasgamos os pulsos para desencravar as viciosas
e no seu tossir velho enferrujado ritmam um laborar interminável
contra o abismático precipício da escrita.
Miramo-nos nessa poça narcísica
Borrão confuso que afirmamos lúcido
Ter tão claras formas e significantes traços
Crentes tão ferverosamente numa identidade
Mas o atento leitor é como inversa Circe
Devolve progressivamente a ideia à forma
Sendo claro porque é que o papel a ser higiénico
Tem sempre por fim o autoclismo.
E regressamos a casa para que carpideiras pousem nos ramos
Das cicatrizes que carregamos nas costas
Onde o mestre da diligência é o pai
Cujo reconhecimento queremos conquistar pelo martírio.
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