quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

XXI

Vagueei pelas ruas matinais como ave de mau agoiro
murchando as plantações de sono por dentro dos dormitórios
Com a minha passagem lenta e enjoada à porta desses habitáculos
Sou inspecionado e inquirido pelos porteiros
E muito por de trás do seu queixo interrogatório
Vou rasgando os casulos para impor verdades precoces
Sobre o sentido mecânico do caminho
E o porquê das principais peças agora serem importadas
De países onde a contrafação é obra tosca de mãos negligentes
Que não sabem o que tem de responsabilidade sobre o silêncio no espaço
Lugar de longas vistas pausadas sobre horizontes ininterruptos
Sem obeliscos onanistas a intentar um poema contínuo

Faltam-lhes pulmões que não arrebentem com a pressão atmosférica
Com a vertigem e a fome obcecada por entendimentos pederestes
Porque se chegassem ao pico do Evereste púlpito do auditório do mundo
Seria para protestar contra a falta de subsídios para cumprir os desígnios
Que lhes prometeram quando se julgava que ainda era útil cantar-lhes o hino nacional
Esperando lucrar a prestações futuras toda uma carreira contributiva de benfeitorias
Coleções de fotografias a dar de comer a pobres e a abraçar pretos

São o inverso dos ciganos sentados nas soleiras exaustos
após tanto terem caminhado pelas avenidas deste mundo
mirando agora o céu de olhos lavados de quem olha e tem muitos e largos olhos miúdos
Para esquecer o negrume a lixo que se lhes encrostou nos dedos
E nunca cumprimentar por nojo todos os restantes viandantes
Que ostentam a horas calendarizadas pela inspeção militar
Pequenas mãos trémulas na lividez higiénica
Porque para esses a putrefação dá-se essencialmente por dentro


Talvez só a solidão explique tanta necrofilia a pulsar por dentro dos poetas

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