A luz queimava a sua pele pálida. A carne, uma vez repentinamente iluminada pelas luzes artificiais da casa, lembrava o reflexo choroso das pernas de porco quando penduradas nas salas refrigeradoras dos talhos. De resto, esse lamento era raro, sobre o quarto o corpo aninhava-se na escuridão quase todos os tempos, ocupados, como todos os outros, a dissecar o mesmo. Como foi morta a carne que originou ao momento meditativo em que se encontrava, nunca ninguém soube responder a não ser o próprio, não a própria, o próprio, o proprio que se julgava superior a própria, superior o suficiente para se criar como próprio. Poderia parecer portanto quase irónico a crença na presença por entre as letras esguias dos livros , desenhado entre o branco espectral da matéria das folhas, do seu criador, como se de uma identidade externa se tratasse, essa irónica interpretação da descrição exaustiva e pesada dos infindáveis traços-rugas de tão velha crença.
A substancia da crença não e levitativa, e por entre a miséria obscura do seu quarto, apenas rasgada por confusos raios luminosos que furavam o escuro, a agonia da aura de Gustavo era a base da sua crença. Ao lógico processo das coisas, a evidencia quase irrefutável da terra, da semente que quando plantada gera uma arvore, que gera frutos, que caem e apodrecem, ao ranger sub-reptício a todos os procedimentos, desde da mulher que se entrega a seu homem, ao corvo que caca a sua presa, ao gato que lambe o seu pelo, só se poderia opor, ao ranger das coisas, o completo processo que se operava dentro daquele quarto, como se Gustavo conhecesse o zero, e tivesse materializado o negativo, como se tivesse encontrado o terceiro quadrante do referencial, espácio-temporal, abicsso-ordinal. E se não mesmo o fosse, o que seria? O que seria tudo aquilo que o homem sentia, fazia, criava, imaginava, lutava? O que seria aquela atulhada de merda que os psicólogos tanto se ocupam em enquadrar ridiculamente em discursos que só valem por exemplares de uma eloquência sustentada pelos manuais de retórica?
A Gustavo pulsava-lhe a certeza a noite, quando ate as gaivotas que se intrometiam entre as suas persianas no seu silencio partiam, a sua cara ganhava a cor de chama da crença, a crença que agora lhe consumia a face, e que a medida que ele se agarrava como um louco a ela, julgando se ele não ir com o tornado do tempo, o consumia, e como são Jorge estucando o dragão, assim a o ranger das coisas começou por agonizar a aura silenciosa de Gustavo, para depois mata-la, matando-o, a própria, e ao próprio, mas sem se rir como os vilões, nem clemência como os juízes, matando apenas.
sábado, 31 de julho de 2010
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Edmildo
Isabella conseguiria facilmente serpentear por entre os segredos mais íntimos de um homem e morder-lhes a mão quando estes estendiam a mao para a desvendar. Sua prima, costumava tecer comentários carinhosos sobre a total inexistência de um homem certo que Isabella poderia apresentar a família, estender-lhe-ia mão como os santos estendem a mão aos pobrezinhos e dizer-lhe-ia, Isabella, prima, sangue do meu sangue, eu sinto a tua dor, um dia encontraras um homem que te queira apesar dos teus gostos e maneiras esquisitas, ao que, Isabella, com seus olhos camaleonicos, responderia com um olhar azul anilar, sim talvez um dia. Depois, uma vez sozinha, costumava fantasiar com seus olhos em chama, a chegada de sua prima ao quarto no exacto momento da profanação da santa união, arqueando e vociferando o dialecto da terra, rir-se-ia na cara dela, e dir-lhe-ia: todas as gotas secam, do meu suor ao teu choro vai um nada de distância. Sim. Para Isabella, havia uma linha muito ténue entre o que e mórbido e o que e erótico. Não consideremos Isabella uma psicopata, maníaca, ou para o regozijo dos ideários masculinos, ninfomaníaca. Para Isabella, o céu tinha suficientemente poucas cores para se dar a displicência de renegar alguma. Também não entraremos, por entre o cliché de ceder a Isabella a habitual necessidade de quebrar rotina ou stress. A Isabella, dar-lhe-emos todos os clichés que orbitam como astros em chamas a volta do orgasmo. O lugar-comum. Alias, Isabella, a própria, costumava rir-se dos diversos intelectuais tanto punheteiros como homossexuais que criticavam os lugares comuns, tendo aliás, criado uma teoria baseada na crença que a rejeição dos mesmos estava directamente correlacionada com a incapacidade de chegar ao mesmo. E Isabella gostava de partilhar estes pensamentos quando entendia que pudesse receber o seu premio preferido, és uma puta de merda sabias? Diziam-lhe.
E uma outra vez insisto, Isabella, não tinha tido uma infância perturbadora, não sofria de nenhuma desinibição crónica, excesso de libido progressiva ou doutra qualquer agravante. Era, pelo contrario, bastante tida socialmente, profissional de sucesso, moldara o seu percurso brilhante pelo próprio cunho, dotara-se da conceptualidade necessária para poder ter sucesso no seu percurso académico ou para poder mastigar a arte que por vezes lhe obrigavam a consumir em eventos sociais.
Seduzia-a facilmente mas com muita paciência. Aproximar-me dela passava por um labirinto que eu próprio montei. A cada galeria que ela ultrapassava, uma nova câmara aparecia por decifrar, algum sentimento por corromper, algum sangue por derramar. Deixei Isabella esvair-se sobre o meu tronco, a cada sucesso seu em delinear o meu corpo com sua língua suculenta e acida, reaparecia dos seus olhos negros absorventes um leve verde de descanso, e a cada aparente sucesso seu, Isabella esculpia dando-se a conhecer as grades da sua própria jaula. E quando a minha voz ecoava por entre o granito duro e quente do seu corpo, cada vez mais irritada Isabella ia errando progressivamente, ainda que com vitorias ia perdendo cada vez mais manobra. Quando a ultima vitoria foi obtida, descobri que nunca conseguiria suste-la, e uma grande porta desenhava um grande clarão de luz branca, Isabella pensou, que chegaria a vez de cuspir o que restava dos meus segredos mais íntimos, quando viu que todo o seu cheiro estava perdido pelo meu corpo, que todo o sangue se esvaíra, e foi quando nos olhamos, e descobrimos o amor. Ámen.
E uma outra vez insisto, Isabella, não tinha tido uma infância perturbadora, não sofria de nenhuma desinibição crónica, excesso de libido progressiva ou doutra qualquer agravante. Era, pelo contrario, bastante tida socialmente, profissional de sucesso, moldara o seu percurso brilhante pelo próprio cunho, dotara-se da conceptualidade necessária para poder ter sucesso no seu percurso académico ou para poder mastigar a arte que por vezes lhe obrigavam a consumir em eventos sociais.
Seduzia-a facilmente mas com muita paciência. Aproximar-me dela passava por um labirinto que eu próprio montei. A cada galeria que ela ultrapassava, uma nova câmara aparecia por decifrar, algum sentimento por corromper, algum sangue por derramar. Deixei Isabella esvair-se sobre o meu tronco, a cada sucesso seu em delinear o meu corpo com sua língua suculenta e acida, reaparecia dos seus olhos negros absorventes um leve verde de descanso, e a cada aparente sucesso seu, Isabella esculpia dando-se a conhecer as grades da sua própria jaula. E quando a minha voz ecoava por entre o granito duro e quente do seu corpo, cada vez mais irritada Isabella ia errando progressivamente, ainda que com vitorias ia perdendo cada vez mais manobra. Quando a ultima vitoria foi obtida, descobri que nunca conseguiria suste-la, e uma grande porta desenhava um grande clarão de luz branca, Isabella pensou, que chegaria a vez de cuspir o que restava dos meus segredos mais íntimos, quando viu que todo o seu cheiro estava perdido pelo meu corpo, que todo o sangue se esvaíra, e foi quando nos olhamos, e descobrimos o amor. Ámen.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
O meu vigesimo aniversario
Vou verificar as tabelas de esperança média de vida, infantil e ingénuo, crente no progresso científico. 70 e tal anos quase 80. Quiçá. Rio-me irónico de mim mesmo. Pareço daqueles putos estúpidos que vão ler aos manuais de biologia quais são os sinais da puberdade para ver se chegaram lá. Rio-me irónico, novamente, ainda mais quando penso que já o fiz.
O meu riso e interrompido pela faca, sofro um esticão frio e ácido, dói mais quando começa ou acaba o corte, não entendo porque. Findou mais um traço no meu pulso, o sangue como de costume esvai-se para os meus dedos e impregna-se em tudo que toco. E a minha marca sobre os objecto, olho de perto o traço há uma ligeira falha de quase um ano, não me lembro bem porque, lembro me talvez de ter sentido que dói mais quando começa, ou neste caso recomeça, ou acaba o corte. Ou. Ou não me interesso por nada disto sinceramente, penso como são ridículos os anarquistas, surrealistas e todos aqueles que desprezam a forca do hábito. Desinteresso-me profundamente por tudo isto, retiro os olhos dos traços( verticais, paralelos e de igual tamanho) feitos a giz(dezanove a giz vale quase um a sangue) por mim na parede e vejo que a beira ha um poster de uma mulher nua, loira, sem pelos púbicos e com seios de plástico, vejo a janela com grades pregar-lhe uma partida, e a sombra de uma delas escancarar-se entre os seus seios, para quem não percebe como se pode rir do nosso próprio infortúnio, há que saber ver como a nossa prisão também tem a sua piada, e como e importante saber nos rirmos irónicos da nossa vida, da nossa desgraça.
O meu riso e interrompido pela faca, sofro um esticão frio e ácido, dói mais quando começa ou acaba o corte, não entendo porque. Findou mais um traço no meu pulso, o sangue como de costume esvai-se para os meus dedos e impregna-se em tudo que toco. E a minha marca sobre os objecto, olho de perto o traço há uma ligeira falha de quase um ano, não me lembro bem porque, lembro me talvez de ter sentido que dói mais quando começa, ou neste caso recomeça, ou acaba o corte. Ou. Ou não me interesso por nada disto sinceramente, penso como são ridículos os anarquistas, surrealistas e todos aqueles que desprezam a forca do hábito. Desinteresso-me profundamente por tudo isto, retiro os olhos dos traços( verticais, paralelos e de igual tamanho) feitos a giz(dezanove a giz vale quase um a sangue) por mim na parede e vejo que a beira ha um poster de uma mulher nua, loira, sem pelos púbicos e com seios de plástico, vejo a janela com grades pregar-lhe uma partida, e a sombra de uma delas escancarar-se entre os seus seios, para quem não percebe como se pode rir do nosso próprio infortúnio, há que saber ver como a nossa prisão também tem a sua piada, e como e importante saber nos rirmos irónicos da nossa vida, da nossa desgraça.
sábado, 21 de novembro de 2009
Ines
A Inês toldavam-lhe os cabelos castanhos, inseguros e puros como se lhe desenhavam os olhos, brilhantes e amendoados. Trazia em si uma capacidade impar de amar, o fervor dum beijo, e toda uma bagagem ético-moral onde o dar era o pilar. Em tudo se dava por algo mais, talvez espiritualidade, talvez razão de viver, talvez por inconformismo.
A Inês fora lhe dado uma certa beleza, nada exuberante, mas simples e comum. Inês era uma mulher simples, não teria os rodriguinhos de outros grandes vultos, mas, por ironia do destino, ao que ela aspirava era capaz de ser ainda mais radical ou revolucionário. Lera em tempos da mão de sua mãe uma passagem da bíblia onde Jesus proclamava que queria mudar todas as relações da actual sociedade, transformando-as em relações de amor. Suscitara-lhe grande inquietação, e Inês já não sabia se era mais cristã ou anarquista. Contudo, pela via das dúvidas, deixava o seu belo peito livre de crucificação alheia.
Inês lutara por conseguir ter relações cada vez mais genuínas, verdadeiras e imortais. Apaixonara-se. Atingira o que consideraria ser a máxima elevação a que um ser humano poderia aspirar. Decidiu lutar com unhas e dentes por aquilo em que acreditava, principalmente, por preservar o seu estado absoluto de pureza e entrega. Inês, sonhava em segredo, sonhava com tudo aquilo que as pessoas não acreditavam nem procuravam, sonhava com uma amizade transversal ao tempo, sonhava com respeito e sinceridade incondicionais, sonhava com afecto capaz de arredar os muros de gelo que nos separam, sonhava. Parecia lhe tão absurdo por vezes o mundo, tão frio, tão cheio de pessoas fingindo. Parecia lhe tão errado por vezes o mundo, tão pobre, tão cheio de pessoas solitárias.
Mas Inês nunca pensara que era um algum género de profetisa, pelo contrário era bastante humilde. Respeitava o mundo e a forma como as pessoas se relacionavam, raramente pregava algo ou se dedicava a conquistar alguém. Gostava de entrar de mansinho nas pessoas, de lhes fazer pequenas carícias e enche-las de mimos. Também assim se prestava a fazer à paixão da sua vida.
A Inês fora lhe dado uma certa beleza, nada exuberante, mas simples e comum. Inês era uma mulher simples, não teria os rodriguinhos de outros grandes vultos, mas, por ironia do destino, ao que ela aspirava era capaz de ser ainda mais radical ou revolucionário. Lera em tempos da mão de sua mãe uma passagem da bíblia onde Jesus proclamava que queria mudar todas as relações da actual sociedade, transformando-as em relações de amor. Suscitara-lhe grande inquietação, e Inês já não sabia se era mais cristã ou anarquista. Contudo, pela via das dúvidas, deixava o seu belo peito livre de crucificação alheia.
Inês lutara por conseguir ter relações cada vez mais genuínas, verdadeiras e imortais. Apaixonara-se. Atingira o que consideraria ser a máxima elevação a que um ser humano poderia aspirar. Decidiu lutar com unhas e dentes por aquilo em que acreditava, principalmente, por preservar o seu estado absoluto de pureza e entrega. Inês, sonhava em segredo, sonhava com tudo aquilo que as pessoas não acreditavam nem procuravam, sonhava com uma amizade transversal ao tempo, sonhava com respeito e sinceridade incondicionais, sonhava com afecto capaz de arredar os muros de gelo que nos separam, sonhava. Parecia lhe tão absurdo por vezes o mundo, tão frio, tão cheio de pessoas fingindo. Parecia lhe tão errado por vezes o mundo, tão pobre, tão cheio de pessoas solitárias.
Mas Inês nunca pensara que era um algum género de profetisa, pelo contrário era bastante humilde. Respeitava o mundo e a forma como as pessoas se relacionavam, raramente pregava algo ou se dedicava a conquistar alguém. Gostava de entrar de mansinho nas pessoas, de lhes fazer pequenas carícias e enche-las de mimos. Também assim se prestava a fazer à paixão da sua vida.
Um pouco desajeitado e apagado, ninguém compreendia o que ela via neste rapaz tão igual a tantos outros, sem carisma, sem fogo. Tiago era um rapaz pálido e frio, tendendo para ser ligeiramente evasivo. Sempre muito hesitante. Mas nele ela vira uma dor gigantesca nos olhos.
Quando Inês lhe beijou a testa, Tiago sentiu a sua dor partir, sentiu o fim do período de isolamento e tristeza e descrença. Nunca mais se viram, Tiago nunca se apercebeu muito bem do que tinha passado. Nunca tinha compreendido que apenas um gesto de amor puro e genuíno serviria para o soltar da perdição. E Inês, continuou pintando, escrevendo sobre ele, amando-o profundamente. Gozando as maravilhas de estar apaixonada.
Quando falei com ela, senti pena, afinal porque é que Inês dedicara o tempo todo da sua vida em prol de uma paixão que não era recíproca? Ela respondeu me que estar apaixonada era uma bênção, que sorria todas as manhãs quando acordava por pensar como Tiago estava livre e feliz. Nada mais lhe fazia feliz a ela, imaginá-lo sorrindo e desabrochando. Não mais ser que um copo de agua, disse me ela sorrindo.
Achei os seus textos um pouco desajeitados e adolescentes, mas adorei seus quadros. Uma vez pedi-lhe para me deixar vê-la pintar. Era tão bonito ver a delicadeza com que pegava no pincel para mais uma vez desenhá-lo. Sorria sempre, às vezes ria-se até. Tiago parecera tão bonito nos quadros dela que quase nem parecia Tiago. Fiz lhe duas perguntas finais, perguntei lhe se era realmente Tiago que pintava e se alguma vez Tiago estaria disposto a criar aquilo que Inês sonhava. Inês por momentos pareceu enevoada, mas depois sorriu-me.
Quando Inês lhe beijou a testa, Tiago sentiu a sua dor partir, sentiu o fim do período de isolamento e tristeza e descrença. Nunca mais se viram, Tiago nunca se apercebeu muito bem do que tinha passado. Nunca tinha compreendido que apenas um gesto de amor puro e genuíno serviria para o soltar da perdição. E Inês, continuou pintando, escrevendo sobre ele, amando-o profundamente. Gozando as maravilhas de estar apaixonada.
Quando falei com ela, senti pena, afinal porque é que Inês dedicara o tempo todo da sua vida em prol de uma paixão que não era recíproca? Ela respondeu me que estar apaixonada era uma bênção, que sorria todas as manhãs quando acordava por pensar como Tiago estava livre e feliz. Nada mais lhe fazia feliz a ela, imaginá-lo sorrindo e desabrochando. Não mais ser que um copo de agua, disse me ela sorrindo.
Achei os seus textos um pouco desajeitados e adolescentes, mas adorei seus quadros. Uma vez pedi-lhe para me deixar vê-la pintar. Era tão bonito ver a delicadeza com que pegava no pincel para mais uma vez desenhá-lo. Sorria sempre, às vezes ria-se até. Tiago parecera tão bonito nos quadros dela que quase nem parecia Tiago. Fiz lhe duas perguntas finais, perguntei lhe se era realmente Tiago que pintava e se alguma vez Tiago estaria disposto a criar aquilo que Inês sonhava. Inês por momentos pareceu enevoada, mas depois sorriu-me.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Joaquim
Há uma certa poesia na forma sedenta e possessa como o mosquito se prepara para me picar. Vejo o seu habitual zumbido a oscilar ligeiramente de frequência, como se afinasse com algum diapasão desperto pela libertação da negra beleza das suas patas na minha pele, os seus olhos parecem mais esbugalhados e brilhantes, a sua pele por momentos reflecte uma luz que se atenua, enquanto se extenua, a sua sede de sangue.
Adoro sentir a forma como me atropelam as formigas quando passam por cima de mim, como algumas me mordem, olho para eles como o meu pai olhava para mim quando brincava com a mão dele, abraço as com a minha ajuda, reparo o que elas deixam ficar para trás e pego nele dando lhes o seu pão.
O meu pai não gostava dos meus gerúndios, achava os feios e abrasileirados. Eu adorava o meu pai, ele podia me bater mas nada achava mais bonito que ver no espelho a pele a ficar negra, tão negra como a pele duma formiga. Achava bonito, todos os processos biológicos associados a esse facto todos os tons que se espraiavam desde do castanho ao púrpura: passando pelo negro.
Adoro o negro, talvez o único motivo pelo qual sou patriótico, acho que o negro e a cor de Portugal. Que mais cor atribuir aos nossos trabalhadores mal pagos? Ou a quantidade de pessoas que morreram no mar por um monarca doido? Que cor mais atribuir, ao fado, a saudade, a Amália, Pessoa ou ao presente?
Identifico me com o negro desde criança, lembro-me ate da cor do vestido da minha tia Giguinhas, viúva muito nova, tinha sempre orvalho seco nos olhos, mas quando íamos visitar a campa das pessoas da família a lágrima molhava-se. Seria talvez dos espectáculos mais bonitos da minha vida, ver as lágrimas da minha tia a nascer frutos da convalescença pura e instintiva do seu corpo, ver a dor a pingar no chão como uma pancada suave dum xilofone, ver a dor, no seu estado mais puro e livre. Agora que todos se foram embora sento-me aqui, admiro a volatilidade da vida com o partir da lágrima da minha tia e o passar dos vermes saídos das campas. Beijo o chão ainda húmido e sinto um verme a tentar comer-me. Deixo-o. A minha pele começa a ficar pulverizada por doces pintas vermelhas da alergia que tenho aos vermes. E ao sangue.
Assim, fiquei duplamente surpreendido quando matei o meu pai. O seu sangue jorrava como uma ejaculação há muito esperada. Nunca julguei que o sangue fosse tão quente. A cada corte que lhe desferia no peito mais sangue jorrava esplendidamente parecendo ate, pelas minhas nódoas vermelhas nas pernas, que iria ficar baptizado para sempre por amor ao que era belo. Mas as nódoas passaram, e também aprendi como tudo o que era belo deveria ser moderado, como tinha de por vezes fechar as portas a dor, a mais pura beleza.
Não há nada mais bonito que a dor física ou animalidade. São dois sentimentos puros e irrefutáveis. A alegria e um êxtase, uma mentira que o demónio-espiritual tenta nos incutir. E a civilização e a sua consequente moral, outra. Quantas pessoas já viste alegres? E das que vistes todas estavam efectivamente alegres? E das que estavam efectivamente alegres estariam também alegres da mesma forma? Quantas pessoas já viste civilizadas? E das pessoas que viste civilizadas eram efectivamente civilizadas? E das que eram efectivamente civilizadas eram todas civilizadas da mesma forma?
Por isso, a todos esses acrescentos alucinogenicos eu nego guarida. A dor conheço, a dor todos conhecemos, como conhecemos o instinto: a nossa animalidade. Ninguém ousa negar que não tem dor nenhum homem jamais não sentiu a dor física no seu corpo, nem ninguém ousa negar que algum homem beijou uma mulher sem jamais ter querido a sua carne.
A poesia é o real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia. E Quanto mais verdadeiro, mais poético.
Adoro sentir a forma como me atropelam as formigas quando passam por cima de mim, como algumas me mordem, olho para eles como o meu pai olhava para mim quando brincava com a mão dele, abraço as com a minha ajuda, reparo o que elas deixam ficar para trás e pego nele dando lhes o seu pão.
O meu pai não gostava dos meus gerúndios, achava os feios e abrasileirados. Eu adorava o meu pai, ele podia me bater mas nada achava mais bonito que ver no espelho a pele a ficar negra, tão negra como a pele duma formiga. Achava bonito, todos os processos biológicos associados a esse facto todos os tons que se espraiavam desde do castanho ao púrpura: passando pelo negro.
Adoro o negro, talvez o único motivo pelo qual sou patriótico, acho que o negro e a cor de Portugal. Que mais cor atribuir aos nossos trabalhadores mal pagos? Ou a quantidade de pessoas que morreram no mar por um monarca doido? Que cor mais atribuir, ao fado, a saudade, a Amália, Pessoa ou ao presente?
Identifico me com o negro desde criança, lembro-me ate da cor do vestido da minha tia Giguinhas, viúva muito nova, tinha sempre orvalho seco nos olhos, mas quando íamos visitar a campa das pessoas da família a lágrima molhava-se. Seria talvez dos espectáculos mais bonitos da minha vida, ver as lágrimas da minha tia a nascer frutos da convalescença pura e instintiva do seu corpo, ver a dor a pingar no chão como uma pancada suave dum xilofone, ver a dor, no seu estado mais puro e livre. Agora que todos se foram embora sento-me aqui, admiro a volatilidade da vida com o partir da lágrima da minha tia e o passar dos vermes saídos das campas. Beijo o chão ainda húmido e sinto um verme a tentar comer-me. Deixo-o. A minha pele começa a ficar pulverizada por doces pintas vermelhas da alergia que tenho aos vermes. E ao sangue.
Assim, fiquei duplamente surpreendido quando matei o meu pai. O seu sangue jorrava como uma ejaculação há muito esperada. Nunca julguei que o sangue fosse tão quente. A cada corte que lhe desferia no peito mais sangue jorrava esplendidamente parecendo ate, pelas minhas nódoas vermelhas nas pernas, que iria ficar baptizado para sempre por amor ao que era belo. Mas as nódoas passaram, e também aprendi como tudo o que era belo deveria ser moderado, como tinha de por vezes fechar as portas a dor, a mais pura beleza.
Não há nada mais bonito que a dor física ou animalidade. São dois sentimentos puros e irrefutáveis. A alegria e um êxtase, uma mentira que o demónio-espiritual tenta nos incutir. E a civilização e a sua consequente moral, outra. Quantas pessoas já viste alegres? E das que vistes todas estavam efectivamente alegres? E das que estavam efectivamente alegres estariam também alegres da mesma forma? Quantas pessoas já viste civilizadas? E das pessoas que viste civilizadas eram efectivamente civilizadas? E das que eram efectivamente civilizadas eram todas civilizadas da mesma forma?
Por isso, a todos esses acrescentos alucinogenicos eu nego guarida. A dor conheço, a dor todos conhecemos, como conhecemos o instinto: a nossa animalidade. Ninguém ousa negar que não tem dor nenhum homem jamais não sentiu a dor física no seu corpo, nem ninguém ousa negar que algum homem beijou uma mulher sem jamais ter querido a sua carne.
A poesia é o real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia. E Quanto mais verdadeiro, mais poético.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Jacques
Nao, nao facas isso, disse lhe Pierre, pensa duas vezes Jacques, por favor.
O Sena parecia um prédio gigantesco, com varias janelas e cada uma delas mostrava a Jacques algo de diferente. O seu filho toxicodepente por nunca ter tido a atencao de seu pai. A sua mulher que o tinha deixado apos um flirt que Jacques tivera com uma mulher. O seu pai, monstro impiedoso que lhe batera todos os dias da sua infância. E sua mãe, judia, origem que Jacques sempre renegara com vergonha. Jacques era o mais banal suicida que se poderia encontrar, motivos comuns ou mesmo plausíveis pode se dizer com certa frieza cínica.
Não, não faças isso Jacques, por favor, disse lhe Pierre.
Pierre era franzino e parecia algo cómico no sua vestimenta de abade. Pertencera a uma família abastada, mas rejeitara a sua herança para se encontrar consigo e com Deus. Conhecera Jacques através das suas habituais actividades de apoio social, e em este sempre lhe intrigara como Deus lhe faltara tanto.
Jacques, ouve-me, vou te contar dois grandes segredos. O primeiro e que somos todos filhos de Deus, ate tu Jacques, por mais que a sociedade te ostracize e te condene, te trate como escumalha ou indiferença, por mais que te sintas o resíduo deste sistema, não o es. O segundo e que tudo e amor e poesia em devir, que todo o lixo da sociedade, da rua e fruto da sua criacao, quando Jesus e os seus apóstolos andavam, depararam-se com um cão, os apóstolos disseram: Cuidado, veja como rosne, como se baba, como e feroz; ao que Jesus respondeu: mas tem um pelo tão bonito. Eu e tu, vamos fazer de nos, rejeitados, e do lixo, despojado, a nossa vida, ganharemos o pão e o sustento reabilitando-o, e ao rebilitarmos o lixo, ao criarmos uma obra, estaremos perto de nos encontrar. Porque so nos encontraremos, quando salvarmos mais pessoas como tu, quando nos entregarmos um ao outro e aos outros.
Jacques sentiu se amado, abraçou Pierre e sentiu a paz redentora do Senhor.
O Sena parecia um prédio gigantesco, com varias janelas e cada uma delas mostrava a Jacques algo de diferente. O seu filho toxicodepente por nunca ter tido a atencao de seu pai. A sua mulher que o tinha deixado apos um flirt que Jacques tivera com uma mulher. O seu pai, monstro impiedoso que lhe batera todos os dias da sua infância. E sua mãe, judia, origem que Jacques sempre renegara com vergonha. Jacques era o mais banal suicida que se poderia encontrar, motivos comuns ou mesmo plausíveis pode se dizer com certa frieza cínica.
Não, não faças isso Jacques, por favor, disse lhe Pierre.
Pierre era franzino e parecia algo cómico no sua vestimenta de abade. Pertencera a uma família abastada, mas rejeitara a sua herança para se encontrar consigo e com Deus. Conhecera Jacques através das suas habituais actividades de apoio social, e em este sempre lhe intrigara como Deus lhe faltara tanto.
Jacques, ouve-me, vou te contar dois grandes segredos. O primeiro e que somos todos filhos de Deus, ate tu Jacques, por mais que a sociedade te ostracize e te condene, te trate como escumalha ou indiferença, por mais que te sintas o resíduo deste sistema, não o es. O segundo e que tudo e amor e poesia em devir, que todo o lixo da sociedade, da rua e fruto da sua criacao, quando Jesus e os seus apóstolos andavam, depararam-se com um cão, os apóstolos disseram: Cuidado, veja como rosne, como se baba, como e feroz; ao que Jesus respondeu: mas tem um pelo tão bonito. Eu e tu, vamos fazer de nos, rejeitados, e do lixo, despojado, a nossa vida, ganharemos o pão e o sustento reabilitando-o, e ao rebilitarmos o lixo, ao criarmos uma obra, estaremos perto de nos encontrar. Porque so nos encontraremos, quando salvarmos mais pessoas como tu, quando nos entregarmos um ao outro e aos outros.
Jacques sentiu se amado, abraçou Pierre e sentiu a paz redentora do Senhor.
domingo, 1 de novembro de 2009
Vasco
Gosto daquela frase do tolentino mendonca “ a noite abre os meus olhos”. Há quem ache estranho porque e que as vezes perante as grandes desilusões eu não fique triste mas contente por descobrir algo que não via. Doi me sobretudo o esqucimento. Aquelas pessoas de quem gostava profundamente mas que não cativei, e pelas quais as promessas que o tempo e a distancia nada apagariam eram infundadas. Aquelas que pessoas que proferiram gestos ou palavras que ensaiavam mais que algo conjuntural mas que não cativei o suficiente. Quantas são as pessoas ou coisas pelas quais nutro o que nunca nutriram por mim, ou quantas são essas ou mesmo outras pessoas ou coisas que nutrem por mim o que nunca nutri por elas, ou quantas são ainda essas pessoas ou coisas que já nutriram mas não nutrem, e sobretudo, quais deste universo de pessoas ou coisas ainda tem salvacao. Talvez seja lírico demasiado e acredite na pureza dum olhar ou dum beijo, e não como fruto de um clima ou situacao, as mulheres lindas que já conheci, as mulheres fantásticas que já conheci, os amigos mais comicos que ja conheci, ou as amigos mais interessantes que ja conheci… Sou eu que me fodo sempre porque fico a pensar, e alguns passam por cima, crescem, vêem, partem, e no meu altruísmo puro não gero dentro de mim inveja, ressentimento. Não me imponho as pessoas, entro de manso nelas, e quando não me querem vou-me, pensando mas não de orgulho ferido. Mas a vida talvez seja mesmo assim, encontros ou desencontros e o que magoa ainda mais, e quando sinto que tinha mais a dar mas a minha vontade de não me impor, mais uma vez insisto, faz me partir também, por altruísmo ensaiei primeiro, mas também possa ser por falta de auto estima ou complexos parvos. Podemos sempre refugiar-nos no nosso canto, chorar o mundo, dizer que estavavamos cheios de amor e pureza para dar e rosnar-lhe chorando, pedir lhe para partir. Ou podemos aceitar, adultos e maduros, o reflexo turvo do rio.
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