sábado, 21 de novembro de 2009

Ines

A Inês toldavam-lhe os cabelos castanhos, inseguros e puros como se lhe desenhavam os olhos, brilhantes e amendoados. Trazia em si uma capacidade impar de amar, o fervor dum beijo, e toda uma bagagem ético-moral onde o dar era o pilar. Em tudo se dava por algo mais, talvez espiritualidade, talvez razão de viver, talvez por inconformismo.
A Inês fora lhe dado uma certa beleza, nada exuberante, mas simples e comum. Inês era uma mulher simples, não teria os rodriguinhos de outros grandes vultos, mas, por ironia do destino, ao que ela aspirava era capaz de ser ainda mais radical ou revolucionário. Lera em tempos da mão de sua mãe uma passagem da bíblia onde Jesus proclamava que queria mudar todas as relações da actual sociedade, transformando-as em relações de amor. Suscitara-lhe grande inquietação, e Inês já não sabia se era mais cristã ou anarquista. Contudo, pela via das dúvidas, deixava o seu belo peito livre de crucificação alheia.
Inês lutara por conseguir ter relações cada vez mais genuínas, verdadeiras e imortais. Apaixonara-se. Atingira o que consideraria ser a máxima elevação a que um ser humano poderia aspirar. Decidiu lutar com unhas e dentes por aquilo em que acreditava, principalmente, por preservar o seu estado absoluto de pureza e entrega. Inês, sonhava em segredo, sonhava com tudo aquilo que as pessoas não acreditavam nem procuravam, sonhava com uma amizade transversal ao tempo, sonhava com respeito e sinceridade incondicionais, sonhava com afecto capaz de arredar os muros de gelo que nos separam, sonhava. Parecia lhe tão absurdo por vezes o mundo, tão frio, tão cheio de pessoas fingindo. Parecia lhe tão errado por vezes o mundo, tão pobre, tão cheio de pessoas solitárias.
Mas Inês nunca pensara que era um algum género de profetisa, pelo contrário era bastante humilde. Respeitava o mundo e a forma como as pessoas se relacionavam, raramente pregava algo ou se dedicava a conquistar alguém. Gostava de entrar de mansinho nas pessoas, de lhes fazer pequenas carícias e enche-las de mimos. Também assim se prestava a fazer à paixão da sua vida.
Um pouco desajeitado e apagado, ninguém compreendia o que ela via neste rapaz tão igual a tantos outros, sem carisma, sem fogo. Tiago era um rapaz pálido e frio, tendendo para ser ligeiramente evasivo. Sempre muito hesitante. Mas nele ela vira uma dor gigantesca nos olhos.
Quando Inês lhe beijou a testa, Tiago sentiu a sua dor partir, sentiu o fim do período de isolamento e tristeza e descrença. Nunca mais se viram, Tiago nunca se apercebeu muito bem do que tinha passado. Nunca tinha compreendido que apenas um gesto de amor puro e genuíno serviria para o soltar da perdição. E Inês, continuou pintando, escrevendo sobre ele, amando-o profundamente. Gozando as maravilhas de estar apaixonada.
Quando falei com ela, senti pena, afinal porque é que Inês dedicara o tempo todo da sua vida em prol de uma paixão que não era recíproca? Ela respondeu me que estar apaixonada era uma bênção, que sorria todas as manhãs quando acordava por pensar como Tiago estava livre e feliz. Nada mais lhe fazia feliz a ela, imaginá-lo sorrindo e desabrochando. Não mais ser que um copo de agua, disse me ela sorrindo.
Achei os seus textos um pouco desajeitados e adolescentes, mas adorei seus quadros. Uma vez pedi-lhe para me deixar vê-la pintar. Era tão bonito ver a delicadeza com que pegava no pincel para mais uma vez desenhá-lo. Sorria sempre, às vezes ria-se até. Tiago parecera tão bonito nos quadros dela que quase nem parecia Tiago. Fiz lhe duas perguntas finais, perguntei lhe se era realmente Tiago que pintava e se alguma vez Tiago estaria disposto a criar aquilo que Inês sonhava. Inês por momentos pareceu enevoada, mas depois sorriu-me.

Sem comentários: