por uma nuve de fumo
emerge o meu craneo calvo de olhos
as luzes da cidade projectam-se lhe na face às estaladas
rasgões repentinos e frenéticos contaminados por sombras
homens curvados como bestas insaciáveis
que paulatinamente progridem para uma certa erecção na postura
sorrindo replectos de merda na boca
julgamos poder viver ai prostitutas baratas
obrigados a assistir a todos os milagres da representação
agradecendo com todos os louvores a enfermeiras-serpentes
que faziam da nossa velhice um momento para cuidar da nossa demência
com o medicamento por longos tempos fermentado
debaixo de uma língua sem palavras
Aborrecemos-nos nas estantes do tédio
até que uma outra raiva se levantou dentro nós
como um pedido por Deus perdido no meio deserto
E gritámos de felicidade quando nos ofuscaram com um clarão contínuo
a imagem perfeitamente estanque duma terra intelígvel
onde pudessemos enfim suportar as paredes da cara
mas assim que aproximamos as mãos das coisas
três vultos terríficos apareceram num ápice
manifestações de um subsconciente oculto que nos aprisionava
cada vez que a nossa boca balbuciava a palavra carne
percebemos que forâmos feitos da costela de um patriarca ascético
e por isso sem gula mordemos convictamente todas as maçãs
queriamos à fina força plantar no chão raízes que nos ligassem ao húmus
mas elas apenas nos arrastaram vertiginosamente
para a nossa condição prévia de tela passiva
profanados pela difusao constante de um enredo estrangeiro e ordinario
e não só os cães nos confundiram com bocas-de-incêndio
quando nos ajoelhamos no meio das estradas
olhos fechados e boca semi-aberta
a esperar o cair da primeira gota de chuva
sobre a nossa testa
sábado, 13 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
XXI
Vagueei pelas ruas matinais como ave de mau
agoiro
murchando as plantações de sono por dentro dos
dormitórios
Com a minha passagem lenta e enjoada à porta
desses habitáculos
Sou inspecionado e inquirido pelos porteiros
E muito por de trás do seu queixo interrogatório
Vou rasgando os casulos para impor verdades
precoces
Sobre o sentido mecânico do caminho
E o porquê das principais peças agora serem
importadas
De países onde a contrafação é obra tosca de
mãos negligentes
Que não sabem o que tem de responsabilidade
sobre o silêncio no espaço
Lugar de longas vistas pausadas sobre
horizontes ininterruptos
Sem obeliscos onanistas a intentar um poema
contínuo
Faltam-lhes pulmões que não arrebentem com a
pressão atmosférica
Com a vertigem e a fome obcecada por entendimentos
pederestes
Porque se chegassem ao pico do Evereste
púlpito do auditório do mundo
Seria para protestar contra a falta de
subsídios para cumprir os desígnios
Que lhes prometeram quando se julgava que
ainda era útil cantar-lhes o hino nacional
Esperando lucrar a prestações futuras toda uma
carreira contributiva de benfeitorias
Coleções de fotografias a dar de comer a
pobres e a abraçar pretos
São o inverso dos ciganos sentados nas
soleiras exaustos
após tanto terem caminhado pelas avenidas
deste mundo
mirando agora o céu de olhos lavados de quem
olha e tem muitos e largos olhos miúdos
Para esquecer o negrume a lixo que se lhes encrostou
nos dedos
E nunca cumprimentar por nojo todos os
restantes viandantes
Que ostentam a horas calendarizadas pela inspeção
militar
Pequenas mãos trémulas na lividez higiénica
Porque para esses a putrefação dá-se
essencialmente por dentro
Talvez só a solidão explique tanta necrofilia
a pulsar por dentro dos poetas
domingo, 7 de dezembro de 2014
Minha Geração
Lembro-me com muita inveja de um texto do
Manuel António Pina sobre a sua geração, era um lamento por ter observado uma
decadência desde os tempos que andava de braço dado com os seus pares em
cordões humanos imensos. Depois chegou o fenómeno da divisão do trabalho e
consequente verticalização dos assentos. Mas Pina lembrava-se lacrimoso desses
tempos para de seguida perguntar, hoje, que era feito das juras e promessas passadas,
dos gritos éticos a que ninguém chamava ainda ‘imperativo de consciência’ mas
apenas fazer política.
A minha inveja para com o Pina é por eu nunca
ter tido esse tempo áureo passado, quando a minha geração despoletou já foi
para vir pelas montanhas a entoar cânticos a feder a coelho e tristes bichas operárias. Mal lhes nasceu o primeiro
pelo púbico e as mais brilhantes gentes
do meu tempo se dedicaram ao negócio da trepa e os outros, os menos
atentos, dedicaram-se ao festival dionisíaco de profanação do rendimento dos
pais. Não somos a geração dos indignados somos a geração da mini a 50 cts, do
calhau de ganza a 5 euros e das entradas à pala.
Também por isso os protestos e levantamentos
onde jovens participam se caraterizam muito recorrentemente por não ter uma
agenda ou uma proposta. Eles estão completamente alienados da sua capacidade fabulatória
e imaginativa sobressaindo a uma raiva ontológica que nunca saberão converter
em ideológica.
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