E em cada noite que sento bêbado na calçada há uma mulher
que me fita, silenciosa, fumando o seu cigarro. Eu acendo o meu, ficamos-mos a
olhar mutuamente, olhos nos olhos selando a nossa paixão nesse silêncio onde os
gritos das multidões são ofuscados pela nossa tensão. Ela é bela, a luz dos
lampiões ilumina-lhe a face, o recorte do peito, os dedos finos e lânguidos que
tanto poderiam derreter o meu corpo. Eu sei, ela sabe-o, que o ela tocar-me ou
eu tocá-la levaria a que desaparecêssemos deste mundo. Somos algo de imaginado um
do outro, somos a evocação do bramir do mar do outro, imperscrutáveis,
imperturbáveis, inexoráveis e improfanáveis. Não choramos o não sabermos o nome
um do outro, e eu, amante confesso da textura do corpo feminino, não deploro o
não poder ser envolvido todo corpo acolhido pela sua vagina, bastava um toque
dela para eu me desmoronar e tornar-me pó. Ela guarda as portas da morte, ela
guarda a minha finitude e concretude. Por isso mantenho-me ilusão criada por
ela, pela sua bebedeira, pelos bafos do seu charro, e ela mantêm-se, delírio de
poeta, ninfa do orvalho nocturno, minha alucinação. Depois alguém me toca, é
certo, desperta-me do meu estado, quando volvo os olhos para onde ela se
encontrava, já ela se desaparecera. Digo a essa pessoa: acabei de ver a mulher
mais bonita do mundo, e ela devolve-me risos, és sempre o mesmo Vasco. Pois sou
meu caro, pois sou, nem sei como não ser, porque sou refém desse poema que por
vezes surge por germinar na estéril terra do meu potestativo cadáver.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
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