Sentado a mirar o tecto do seu quarto, Fábio viu o fumo a
contorcer-se no ar que os separava. Fumou o maço todo seguido, sem
interrupções, como se esforçasse por pregar nas suas entranhas a sua alma
crucifixada. O fumo do cigarro foi visitando o seu interior e o seu corpo
sentiu-se como uma puta em noite de serviço. Visitada inúmeras vezes por algum
corpo estranho, a sua vagina árida não conseguia parar de torcer de dor, suculenta,
fria, ácida, a cada investida que o falo externo intentava. Essa mesma dor,
depois escorrendo para a cama, para os lençóis, encrostando-se, fazendo-se
nódoa, primeiro vermelha, depois roxa quase negra, aguardando no dia seguinte
ser incógnita quando revelada pelo primeiro raio surgido da persiana. Porque fiz
eu isto? Lava a cara sobre a pia, olha-se de novo, a sua face parece-lhe
ternamente familiar, vagamente quotidiana, só sua tez mudou, a cor sobre
sumiu-se, as rugas encrostaram-se, os traços cadaverizaram-se, os lábios secos
como passas.
Mas só amanhã. Uma vez findado o maço de tabaco e os sempre
habituais trinta minutos de solidão fitando o tecto do seu quarto, Fábio levantou-se
e olhou-se ao espelho. A vida perpetuamente corrosiva e corroída pareceu-lhe
subitamente inteligível, uma certeza inalienável pulsou-lhe nas veias. Riu-se
para o seu próprio reflexo como para um velho amigo com o qual partilha uma
certeza. Quantos se seguirão até que eles compreendam, perguntou-lhe? Nenhuma
resposta. Como sempre.
Cambaleou até à tasca mais próxima. É uma imperial, filho da
puta. O empregado já habituado ao temperamento de Fábio, serviu-lhe uma
imperial, fresca. Riu-se e deu uma palmada nas costas do seu cliente. Como é
que anda a tua mãe, meu cabrão, há quanto tempo não a visitas? Fábio cuspiu-lhe
na cara com um só olhar, reclinou a cabeça para engolir a cerveja num só trago
e prosseguiu o seu caminho pela noite fora.
Continuou bebendo pela noite fora, seguindo o seu habitual
roteiro de bares e tabernas. Silencioso, serpenteou por entre as multidões
colhendo mistério e repúdio nas suas faces. No penúltimo bar, foi abordado por
uma mulher cuja idade não deveria ultrapassar os trinta e cinco anos. Passadas
duas horas, fodeu-a por trás na casa de banho do bar. A sua mão ainda guardava
alguns cabelos pretos, a outra guardando ainda o suor das nádegas. Parou numa
viela secundária, dois amigos passavam. Empunhou uma faca e degolou o primeiro.
O segundo ficou a olhar aterrorizado para Fábio, o total inesperado da situação
colhido do absoluto absurdo fazia o tremer de medo. Como o caos poderia ser
aleatório e sádico. Justiça reclamou. Mas cedo a sua sede da mesma findou
porque Fábio caminhava agora na sua direcção. Fábio segurou-o pelos colarinhos
e encostou-lhe a faca ao pescoço. Viu o desespero nos olhos da sua vítima. Por uma
vez sentiu-se compreendido. A sua solidão tinha terminado. Beijou-o na boca e partiu.
Saciado.
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