terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Geraldo

Serpenteio como o vento entre as texturas físicas dos corpos que sobre a rua passam. Demoro-me a focar directamente num plano próximo, aumento a sua resolução. Estão tão próximo que quase julgo o seu tecido as minhas pálpebras. Há oscilações na cor, alguém tapa a luz, ouve-se vozes, as pessoas conversam. Ouço as suas vozes como o fundo de uma gruta ouve o lago. Repetem-se, interagem, repetindo-se, há um jogo próximo que repetem cada vez que uma nova personagem se lhes depara. Sento-me a observar os seus modos, as suas teatralidades, os seus gracejos, que repetem, são os novos modelos de uma publicidade qualquer, são os actores de uma grande peça encenada chamada de ‘a representação social e a apologia da felicidade’. As datas certas existe a obrigatoriedade de ser feliz, de estar eufórico, há como que uma papila gustativa social que quando devidamente estimulada vai ficando cada vez mais erógena, quanto mais alguém dá provas de histerismo, mais em seu redor as pessoas ficam propensas a participar desse histerismo e assim contribuem para o aumento geral, progressivo do histerismo. Há uma epopeia histérica, uma Ilíada, o som dos copos de cristal ecoa, a banda toca, há negrume no ar de fumo de charuto. As luzes do palco estão semicerradas, no entanto sobre a plateia, pequenos focos de luz surgem. As pessoas apressam-se em chegar a tempo de apanhar o foco, correm na esperança doida de ficar para a memória, de serem vistas em futuras ocasiões, de serem os mártires da apologia da felicidade, mas a verdade é que quando a terra acabar, nem um pouco de tempo alguém vai pensar em ir ver a tonelada de lixo informático que produziremos ao longo de muitos séculos. A lembrançazinha. O ridículo existencial de quem existe.

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