Se tantas mulheres feias reproduzem e dão outras mulheres também elas feias mas ainda com capacidade de reproduziram, porque é que Deus se deu ao capricho de ir roubar ao mais negro óleo do crepúsculo para te picar como quem desenha em tinta-da-china o contorno dos teus olhos, fazendo uma cadência cada vez mais densa e escura à medida que se aproxima do mar fino de uma bruma de marfim de que são feitos. Passaria sentado sobre essa mesma margem, baloiçando os meus pés nessa paz de leite, tempos sem fim anotando todas as histórias que habitam na ilha em frente de mim. Consigo ver essa gueixa frígida que se deixa possuir por um homem corpulento, a forma como o sangue escorre pelos seus lábios vaginais frio e ácido, a transformar-se num canto que expele com o fumo do seu tabaco quando tenta tirar do seu corpo o cheiro imundo da besta que saíra deixando a nota boiando sobre esse rio feito canto feito história. Vejo simplesmente o olhar desafiante com que um heroinómano enfrenta como um toureiro a morte, o seu jeito provocador enquanto se deixa invadir pela morte saboreando cada pequeno resíduo de uma tampa de um iogurte como se risse na cara da morte, lhe mijasse em cima num mijo negro de prazer orgástico da droga. Ouço a história de todas as tuas pequenas bonecas de menina, a história de como cada uma te foi levada para parte incerta num terreno mítico vulgarizado por memória. Contas-me como cada essa pequena boneca são parte integrante do que és hoje, como tens os braços de uma, os ombros de outra, como te construíste enquanto mulher sem nunca perder a tua feminidade e a tua esperança com que lhes cantavas. Contas-me também como encontraste os homens vulgares, cinzentos, esterilizados emocionalmente por uma sociedade que os ensina a serem como bestas para copular por imperativo fisiológico. O amor, perguntas-me, onde está o sentimento? Será a revolução sexual a reacção sexual? Será a banalização do sexo o seu maior retrocesso? Assim descubro o valor do íntimo, nesse meu sonho intimo que descobri a escrever meia página sobre os teus olhos.
Assim brilha uma névoa no teu corpo, os raios de sol esbatem sobre teu corpo dando lhe os laranjas-fogo de um por do sol espelhado sobre o mar. Soltam pequenos tentáculos, rios ainda mais finos de luz provenientes do lugar onde se esbate a luz, a luz, no teu corpo, é como um animal vivo, um ser pernicioso que se expande enquanto sussurra cânticos, ouço o ‘Im Anfange schuf Gott Himmel und Erde’ exactamente como Haydn ouviu na sua cabeça quando pensava na sua obra. Sinto o amor impossível de Camões por sua cativa ou a mórbida frase de Cesariny ‘em todas as ruas te perco, em todas as ruas te encontro’. Em todas as ruas te perco, em todas as ruas te encontro, sigo pelo sinuoso caminho pedereste, absorvo-me cada vez mais em todo o seu detalhe e sinto que te perco, sinto que mais não te vejo, que perdi o caminho ao esmorecer-me bacoco por um mero passarinho caído do ninho. Como não me poderia perder por todo o mais ínfimo recanto também? Solto a resolução, tiro o binóculo, vejo te toda por inteiro de novo. Miro-te com o medo de quem olha Cleópatra por isso fujo. Mergulho de novo nesses caminhos sinuosos no meio dessa floresta de trigo, procuro-te, procuro as tuas histórias, procuro histórias, procuro pessoas, procuro personagens, procuro paisagens e paisagens mas só vejo trigo e trigo e trigo. È verdade que é um espanto ver a luz, mais uma vez, a ser vento, a curvar toda a ceara de uma vez e que é um delírio correr campos e campos sem fim apenas com a mão estendida passando a mão hirta pelo trigo. Assim descobri o que era íntimo, o integrante físico do íntimo, o espaço vital do teu íntimo quando julguei artista narciso sentir-me tocando a tua íris no papel.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Voltei aqui para deixar um breve comentário. escreves como nunca vi em lugar algum. por isso a tal diferença..
E aparece outra mulher =)
Comemoremos com uma melodia (um pouco feminina se lhe quiseres chamar). O titulo: uma bebida e uma dança!
http://www.youtube.com/watch?v=U-gx2_G31rY&featur
Cesariny diz ‘em todas as ruas te perco, em todas as ruas te encontro". Ruy Belo que: "No meu amor por ti há uma rua que começa"
Não se sabe onde vai dar...
A uma ceara talvez...
Essa rua que sempre nasce de qualquer afecto e que ninguém nos diz onde levará, deixa sempre todos os finais em aberto...
Inês
Enviar um comentário