terça-feira, 5 de abril de 2011

Vasco - II

Surge um remorso, apesar de tudo, quando tento compreende-lo: fui ensinado que a beleza deriva exactamente do imcompreensivel. Se houvesse um motivo que escolhesse para definir porque gosto de uma mulher seria o seu esgar. O esgar é o circunscrever de uma expressão entre as milhentas quantidades de imagens que recebemos num curto espaço de tempo, sendo que de esse recta de recessão sobressaem sempre oscilações, momentos que arrebentam a escala, mas que só depois, muito depois, quando nos tentamos lembrar de uma mulher, voltam a surgir, aquele exacto momento que passa a constituir a galeria, o museu diria-se até. Mas então esgar é esse momento, essa imagem feita de traços, traços da face, da trajectória dos olhos, de todos os vectores de movimentos do cabelo, traços que deixam rasto. Aceitaria sem dúvida o desafio de observar cada gesto que uma mulher faz em câmara lenta, e talvez ainda mais lenta do que me seria proposto, reparar na oscilação que as sobrancelhas fazem com a variação infinitesimal da luz, o próprio cabelo que ao entranhar-se e ao soltar-se espraia um universo de novas cores, os olhos eles camaleonicos eficazes em esconder entre a contracção e dilatação da iris os pensamentos mais ocultos, e o seu peito, sobretudo o seu peito na sua destreza em subtilmente se adequar a todo o movimento do corpo, arredondando-se, largando-se, arredondando-se de novo, para se largar de novo como um coração que palpita. Pára.
Acrescenta um novo eixo, atira-me como um tapete para que me marquem as suas pegadas de perfume, para que sinta o exacto ponto em que o seu corpo intersecta a sua sombra sobre mim, esse ponto nevrálgico entre a bruma e o mar. Pára.
Deixa-te de mariquices, dá me de volta os meus olhos, câmara lenta de novo, ainda mais lenta, ainda mais lenta ainda, há um sinal que oscila debaixo do queixo, aparece e desaparece, a elipse amendoada dos olhos parece desenhar-se melhor sobre o esquerdo, depois sobre o direito, quando reparo que a própria íris parece ter perdido alguns grãos negros do centro para a sua órbita que nunca antes tinha visto. Pego na câmara dou um ponta-pé a todos os técnicos que me aparecem pela frente até o cenário, esqueço o momento, apenas quero fixar esse olhar que lançou fora como o soutien que deixa entrever no seu decote, a cauda do gato a serpentar por de tras do esconderijo. Eu vi.
É maníaco. Com certeza, mas se não vir na mulher mais que a besta doida que me vai espalmar o peito contra a cara enquanto me cavalga, seria apenas para mim não mais que uma besta doida. O fascínio da sua profundidade enquanto ser cínico por não ditado por regras universais, a vontade de agredir o seu espaço e do inteirar, de o conhecer mais que uma prisão lançada ao meu desespero é uma porta, uma porta nessa demanda louca que é encontrá-la nua, porque por isso amo mulheres nuas, essa pátria de uma rosa de espuma, essa terra de aurora silvestre, essa descodificação edeniana do mundo, como um outro mundo, como se encolhesse e coubesse na sua casa de bonecas, ou caisse no poço de Alice no país das Maravilhas, como se Alice me dessa a mão e me levasse com ela, quando, finalmente, julguei ter fotografado o seu olhar, o tal olhar, o tal olhar que julguei ter visto, o tal olhar que me levou a gatinhar até onde estou e ela me deixasse, rídiculo, nu, com uma fotografia cheia de nada a não ser o meu reflexo, câmara em punho, apanhado na capa do jornal.

1 comentário:

Alice disse...

não digo isto para te provocar mas, pelo amor de deus, corrige os erros ortográficos deste blog (a começar por "imcompreensivel" e "genoflexão").