quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Aníbal

Fuma cigarros puto.
Fuma cigarros que a vida é curta e dura apenas o tempo de fumares um masso de tabaco.
Fuma cigarros, que aquela gaja que esta ali a passar tem um grande par de mamas, talvez o melhor par de mamas que já viste talvez o par de mamas com que sonhas todas as noites quando te masturbas e a tua namorada apenas aparece para dar a cara.... E não é teu.
Por isso não desistas de fumar um cigarro porque tu queres, e eu sei o bem, vejo a forma enjoada e hipnotizada como olhas para o meu cigarro, a forma como no meio da total escuridão nocturna a sua luz doente e boémia ainda brilha, doente. Fuma cigarros que a noite é curta e não espera, fuma cigarros como quem improvisa um suave dormir metáfora do caralho que te vai foder se não fumares cigarros.
Já te contei a história da minha avo, puto? A minha avo trabalhou a vida inteira das oito as dez para ganhar a merda dum salário que mal lhe dava para comer a ela e aos filhos por causa da merda dum regime fascito-capitalista, por isso, fuma cigarros enquanto nutres ódio pelo Paulo Portas e pela vida que ela levou sem fumar um único cigarro.
Fuma cigarros puto, fuma e fuma até tarde, amanhã tens aulas mas as aulas, nada mais são que uma escravatura sobre a tua vontade primaria de fumar cigarros e tudo o que é teu e primário defende com unhas e dentes como quem segura estremecendo de convicção o seu cigarro de suicídio.
Sim, suicida-te a fumar, suicida-te a médio ou a longo prazo, ou já hoje, consoante o tempo há que já fumas e da qualidade dos pulmões que a tua mãe te deu.
Fuma cigarros que me dói a cabeça, que todos os dias uma agonia segura os meus dias mal enforcados
Fuma cigarros que me dói a virilha e não é de foder nem de fumar
Fuma cigarros, puto, que quando o Jimmy Hendrix morreu afogado no seu vomitado, sorria.

domingo, 4 de outubro de 2009

Carlos

A casa era cinzenta e fria. Nas paredes, grandes nódoas de sujidade lembravam passagens de “húmus” de Raul Brandão. Parecia que ano após ano, as nódoas cresciam e perdiam o seu carácter um tanto ou quanto circular e ganhavam formas excêntricas mais parecendo poços de sangue. Onde em tempos alguém vira a obra de um notável arquitecto, agora via-se o bastião do capitalismo com as suas vigiadoras janelas negras impermeáveis a vista.
Em busca de falsas meriotocracias concederam-me o visto para entrar. Quando entrei vi todos os símbolos da humanidade pendurados nos candelabros. Vi Jesuses, Budas, Marxes, Proudhons, todos eles de olhos revirados, com moscas a comerem, numa lentidão eterna, seus corpos putrefactos. Havia ate quem lambesse do chão o sangue que ainda escorria de alguns corpos ainda frescos. Havia ate quem descansava no chão olhando para um longo orgasmo misturado com sangue derramado.
Hora a hora, surgia uma súbita multidão, trocavam-se os treinos, quem limpava as espingardas agora ia atirar ao alvo, quem atirava ao alvo ia a catequese, quem ouvia a catequese ia a torre de controlo, quem saia da torre de controlo ia limpar as espingardas. E muitas outras actividades engendravam-se naquele átrio.
Sabia-se que não era esta a casa forte do Exercito. Que esta era apenas um filial, mas que daqui saiam muitos para a Capital para grande euforia e orgulho dos nossos. Ministros, dizia-se nos corredores, ou gestores, na melhor das hipóteses. Talvez, ate a Deloitte, insistia-se, mas mal não ficaremos, isso esta garantido.
Uma vez, no armazém deparei me com a bíblia profanada, toda cuspida com frases a vermelho gritando as mais diversas injurias, e n’O Capital constava todos os ataques contra quem não consentia o direito a propriedade privada como mérito. Todas as anteriores figuras eram consideradas contra-revolucionarias e tinham sido retiradas, nos frescos descobriam-se corpos sem caras, nas paredes, onde outrora havia estátuas de homenagem a grandes figuras da Humanidade, um vazio. Eram inúteis, não precisavamos mais deles.
Quem passeava pelos corredores via luzes acesas debaixo das portas. Ninguém sabia ou imaginava que indivíduos eram aqueles que noite após noite trabalhavam no seu gabinete na defesa de nos todos. Mas recebiam o melhor ordenado possível, bem como as honras de Estado por o garantirem na vanguarda do pensamento moderno.
Os alunos eram analfabetos. Pouco sabiam da Historia e dai nenhuma elação que os conduzisse a exigir direitos ou prosseguir algo. Pouco sabiam, agora pensando, de filosofia por isso nenhuma elação tirariam mesmo que quisessem. O sistema concedera-lhes um voto, mas tirando os que consideravam inconsequente para a sua vida futura onde questao era comprar ou nao o bm, os que restavam não se preocupavam em dar-lhe profundidade. Enquanto houver um bm há um feliz, e outros quatro felizes com a possibilidade de o ter.
Vi expostos, esses sim com adorno e requinte, tratados nas paredes. Os tratados que sentenciaram os meus antepassados a fome, agora revistos e actualizados. E nas aulas, esses sim com fulgor e veemência, defendidos: os pensamentos, onde pessoas são enumerados como números ou como variáveis plenamente variáveis. E nos exames, os alunos sentenciarem-se, admitirem a lei da oferta e da procura bem como outras tantas ofensas a sua integridade e dignidade, e dessa mesma forma admitindo-se como possível “excesso de oferta de trabalho” ou “desemprego necessario”. Em cada ponto da casa, via-se alunos escreverem, fazendo exercidos preparados para os entreter fora das grandes questões, assinando cegos o contracto do seu suicídio. E o que fazer das pessoas que se sentenciam? Quem serás tu ou eu para te julgares a cima deles, e com a capacidade de julgares o que deveriam eles procurar ou fazer da sua vida? Queres fazer a revolução por eles mas contra eles? És muito estúpido Carlos.

domingo, 8 de março de 2009

Miguel

Miguel tinha umas maos finas como o brum, arranhadas como a terra. Doces como a terra, duras como o brum. Redutivelmente, o Miguel ,intrinsecamente, era a terra, era a silvestre hera que trepava todos os dias com o suor pela parede onde aguardava o sol espreitando, e uma vez finda ilusao, uma vez a dois palmos de o agarrar ele fugir, o Miguel dormia.
O Miguel era as suas maos, finas, finas o suficiente para amestrar-se em qualquer arte, o suficiente, para um comunista se encher o peito e querer convencer o Miguel de que se tivesse nascido em outro lado hoje seria um grande instrumentista, nao terra, nao terra, nao brum, mas Miguel, porque Miguel em devir era um gomo de andorinha(destinado a morrer por nao migrar).
Enganava-se o comunista porque Miguel era mesmo as suas maos, poderia nao fazer da terra a sua vida, eventualmente, mas isso em nada mudaria as suas maos.
Todos os dias, acordava, e a suas maos vestia todos os acrescentos necessarios a sua livre essencia, toda a instrumentalizacao canonica por parte da sobrevivencia: mas uma vez nuas de proposito ou necessidades, nuas, virginalmente, cicatrizadamente, eternamente, obsoletamente, nuas elas ainda eram petalas do seu amor por Ana. Havia algo de acestralmente primordial no perfeito encaixe cara-mao dos dois, poesia ergonomica de concavidade descrita, de posse eleita, da pele agora um todo sem ausencia, expurgada, dedos beijando lhe a pele dando-lhe a mudez simples dum coracao. A mao do Miguel, suja, gasta, humilhada, servil, ostracizada, renegada ate pelo proprio, libertava em Ana todo o seu perfume natural, as sardas nas boxeixas antes brancas, que brilhavam com os sinais a luz da lua. E nessa constelacao unificada, nessa comunhao conseguida entre o corpo de Ana e o Cosmo, numa reluzente: dardejante sintonia, numa raiante: libertaria harmonia , nada mais era que a outrora solidao agora sorriso saindo do vazio pelos poros.
Ana um dia partiu. Miguel quiz lhe escrever uma carta mesmo nao sabendo escrever. Determinado, esqueceu o campo e dedicou o seu tempo todo a tentar escrever lhe uma carta apenas em jeito de bencao. Morreu a fome. A Miguel so lhe valiam as maos.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Joao

O joao. O joao gostava de fumar. Tinha 14 pois, era cedo talvez, mas o Joao gostava de fumar. Havia algo de magico no cigarro que fumava a Noite. Sozinho, com o fumo subindo pelas escadas picotadas, havia alguma especie de comunicacao transcendental com um instinto primordial. O de fumar a Noite. No silencio da Noite. O unico que o deixa ouvir o puxar do cigarro, e o adormecer dos pulmoes com o cair do nevoeiro. O unico que permite ouvir o corpo virgem mais uma vez entregar se, e o fumo amante ou leito aconchegar o Joao.
O Joao estava sentado mas nao estava sentado. Os olhos repousavam sobre as estrelas que eram campos. O peito sentia o vento que era brisa. Sentado, mais uma vez no seu terraco, Joao fazia a unica coisa que o distinguia de alguns, nunca estava. Possuia uma impar e incrivel capacidade de imaginacao, mas nada que tenha que ver com o sentido usual de imaginacao, a imaginacao de Joao nao era nitida, o Joao nao se imaginava em campos, nem tao pouco era nitida auditivamente, o joao tinha pessima memoria auditivia e nunca reconhecia a voz de ninguem ao telefone. O joao possuia pois uma diferente sensibilidade na planta dos pes, que o fazia adorar andar descalco sobre o asfalto, e uma sensibilidade conceptual anarquica.
Os mundos de Joao nao tinha personagens, nem tao pouco tinham um curso, as personagens mudavam de forma, intelectual e fisica, e os eventos mudavam de fim, com ou sem. Com que o Joao gostava de brincar era com o mundo e a sua organizacao, imaginava homens a venerar um deus crucificado antes num rectangulo, e como toda a arquitectura a sua volta se mudaria, e depois, imaginava como seria se o passado mudasse a cada cinco minutos que passasse, como seria se passasse cinco minutos e voltassemos a estaca zero, e o deus agora fosse crucificado numa roda, e agora o eterno era feito de experiencias aleatorias, de esbocos de cinco minutos. Toda gente achava que as brincadeiras de Joao nao faziam sentido, mas ele inventava novas sempre, havia sempre outra grande lei do universo que surgia que fazia mudar radicalmente tudo o que se tinha como dado.
Tambem por isso ele gostava do cigarro, o cigarro propulsionava o para um outro universo, onde as suas experiencias sensiveis mudavam, dada a ligeira tontura que ele lhe provocava. O Joao gostava disso, e para ele essa era a clara evidencia que ele exisitia. Nao o cigarro, mas ele proprio.
O seu pai era cego. E rapidamente desde pequeno descobriu que as coisas nao precisam de fazer sentido. Nem tao pouco tem de ser assim. Era o unico miudo da creche que tinha um pai cego, e isso bastou lhe para entender a diferenca. Isso mudou radicalmente a sua forma de ver o mundo, o facto de ter uma educacao tao saudavel e digna como qualquer outra crianca, fez lo ver como as concepcoes e os preconceitos da sociedade era estupidos e nao faziam sentido nenhum. Como era estupido dizer se que os gregos sao ridiculos por acreditarem em mulheres que nascem da cabeca dos pais, e o Joao chegou a esta conclusao muito cedo:gostava de gozar com os colegas catolicos dizendo lhes que acreditava piamente nos deuses egipcios.
O Joao nao era catolico, nem tao pouco tinha mae, nao era um rapaz por isso amargado, triste. Nao, o Joao sabia que a sua afirmacao como pessoa e nao como uma mais invencao mirabulante sua, vinha exacatamente do tabaco.
O Joao nao existia para os demais, porque o Joao esquecia se que realemente era uma invencao mirabulante. Para os outros, o Joao era quase uma manifestacao do sexto sentido, porque havia um lugar na sala que nunca podia ser ocupado, porque havia uma resposta que era dada na aula sem se saber de onde, porque alguem estava na fila da cantina antes de nos. Pois era, o Joao nao era captado pelos radares dos outros, era raro darem por ele, porque ele tambem nunca estava. Ninguem sabia quem ele era, apesar de uma colega dele se lembrar de que no jantar de finalistas um rapaz muito simpatico sorriu lhe duma forma encantadora.
O Joao nao era giro nem feio, nem jogava bem nem mal futebol, por isso, as suas colegas, e os seus colegas nem reparavam. E para o Joao isso era perfeito, assim podia olhar para eles, e servir se deles para as mais fantasticas fantasias. Todas as formas de relacoes sociais eram alteradas por ele. Imaginava se os simbolos e papeis sociais se invertessem. E era tao giro imaginar os rapazes pacoviamente puritanos e as raparigas prevertidamente sexistas.
Mas o Joao nao gostava de ficcao cientifica, para o Joao, a ciencia exacta nao fazia sentido dada a sua unica aplicabilidade a este universo, o Joao gostava era de poesia e arte. Quando sairam as notas dos testes de apetencias vocacionais, o Joao teve pessimas notas a tudo, preocupava se apenas em tirar a positiva para depois poder aproveitar o silencio da sala para imaginar.
A imaginacao nao da emprego Joao. Se nao gostas das ciencias, e es burro comocaralho vai antes pa humanidades, pode ser que consigas passar se nao tiveres matematica.
As humanidades nao da emprego Joao, eu ate acho que tu podes fazer matematica, vai para economia, la arranjas emprego.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Antônio


O Antônio até queria ser professor de Inglês, dizia ter jeito para as línguas, gostava de falar com outros povos, e até nutria alguma auto-estima por saber falar tão bem Inglês. Mas fora expulso da aula de inglês. A professora, quarentona no peso e na insegurança, tinha bastantes dificuldades em manter a disciplina na sala de aula, então, qual anarco-terrorista, apostava em repentinas explusoes de autoridade e atentados aparentemente descoordenados. Aguardava, assim, conseguir manter o magno respeito na sala de aula expulsando à queima-roupa.
O Antônio já sabia que as aulas de inglês eram uma seca por isso mesmo, não gostava daquela forma desiludida que uma anarco-terrorista vê o mundo, sempre a queixar-se, sempre ameaçar, e até recorda de bom agrado as maldades que lhe faziam uma vez que, para além de narcista, o Antônio era orgulhoso e não gostava de se ver a ser tratado como um jovem delinquente.
Mas fora expulso da aula de inglês. Nesse dia, o sol raiava, a relva verdejava, e os mais novos jogavam futebol no recreio: resolveu dar um passeio. Uma vigilante, nova no serviço, viu-o a passar. Para malgrado do António era bastante mais alto que os restantes. E estava um dia tão bonito...Chega cá, que andas a fazer? Passeio. Passeias? Sim, passeio, não vê? Mas, estás no intervalo? Que eu saiba estar no intervalo não é condição necessária para passear…
Chegou isto para ela pegar nele pelo pescoço e levá-lo à madre contínua superior, suprema autoridade em assuntos que tocam no que é que um aluno deve estar a fazer a uma determinada hora. Mas que porra, logo no primeiro dia de trabalho e tenho logo de lidar com um miúdo que se balda as aulas?
Chegado à madre contínua superior, a sentença foi deliberada, António não estava a faltar as aulas, tinha sido pois expulso, e desta vez seria melhor castigado, não é que o estúpido em vez de ter ficado feito cãozinho abandonado e arrependido à porta da sala de aula a choramingar para entrar, tinha resolvido ir dar um passeio? Quem é que este gajo julga que é? Deve achar que as coisas se fazem assim, tipo está um dia bonito, a relva esta verde, há miúdos a jogar à bola, por isso se não tivermos mais nada que fazer e quisermos, ora siga lá dar um passeio.
Dizia o psicólogo da escola que António tinha um grave problema de aceitação da autoridade, e uma grave deformação na concepção daquilo que é a importância da norma e da autoridade públicas para garantir a coesão dos corpos sociais. Possuía ainda, uma conceptualização errónea em relação à circunscrição do que podemos decidir pela própria cabeça. Alias, porque o António era um miúdo de 13 anos!
Um dia, a mãe de António esqueceu-se de o ir buscar à escola para almoçar. O António, já habituado a este tipo de situações resolveu fazer aquilo que era considerado um atentado à ordem pública, pensar pela própria cabeça. O gajo tem 13 anos! O gajo não pode decidir e dar um passeio só porque faz sol, merda!. António partiu então na sua demanda existencial, rua fora. Faltavam quinze minutos para começar as aulas, e já tinha estado quase duas horas à espera da mãe. Dizem que é impossível incutir espiritualidade em estomagos vazios, António concordava, tinha considerações muito pragmaticas da moral, achava a moral uma enorme fantuchada, e que era bem mais importante pensar pela própria cabeça, porque já passavam duas horas, mais quatro de aulas, mais meia hora de viagem para escola e antes disso... ah pois não tomou pequeno almoço! Bem isso faz mais de dez horas sem comer. Mas António não sentia dor no estomago, estava plenamente concentrado no assalto à mercearia. A merda do puto! Só se ouve falar na merda desse puto! Pa mas ou o expulsamos daqui para fora ou damos-lhe umas sovas para o meter na ordem se em casa não o metem!
O assalto correu mal, apanhado em flagrante, António saiu da loja a correr e a chorar. Sentiu o peso na consciencia: como Antônio odiava a sua consciencia, o seu coração, para António o seu coração era o elo mais fraco do seu corpo, era a única coisa que o poderia fazer falhar. Para António ter coração é ser se suscecptível de hesitar.
Chegou atrasado às aulas, e não o deixaram entrar na sala. Mais uma aula perdida sem nada que fazer. António recomeçou a chorar. Dizem que as pessoas orgulhosas, narcisistas, egocêntricas não choram facilmente. Mas quando choram, engolem isso tudo, engolem o orgulho, o snobismo, a pompuosidade, engolem tudo, e choram. Ou talvez não. Ou talvez os orgulhosos só chorem quando são crianças e depois com o tempo envolvem-se tanto com o seu orgulho como com o seu desprezo por outrem que deixam de chorar.
A vigilante passou por ele quando ele chorava. Levou-o para uma sala. Fez-lhe uma festa na cabeça. Antônio confessou-lhe que não tinha almoçado: ela ofereceu-lhe um queque vindo do seu pobre salário. António sentiu claramente dentro de si que estava perante uma manifestação de Deus. Raiou um trovão, um laivo de humanismo, perante uma realidade cínica e pragmática. Como o António é ridículo. Deus, António?
Escusado será dizer que uma vez no cumprimento do seu serviço a vigilante foi obrigada a prejudicar António, denuncia-lo por uma malandrice que fez, nem interessa qual, mas custou-lhe, sentia ternura por aquele pobre coitado, que afinal não era mais que um miúdo de 13 anos. António era muito mais que um miúdo de 13 anos, António tinha dentro de si tudo o que mais demoníaco podia ter uma pessoa que tem o pragmatismo tem na ponta da espingarda, e tudo aquilo de mais redentor que um pobre miúdo abandonado pode ter nos seus actos. Para António a situação era clara, a vigilante era uma opressora, estava contra ele, se ele cedesse ao seu laivo de agradecimento pelo queque mais tarde ou mais cedo iria pagar por isso, era altura de agir, de contra-intimidar, de dar a cara, lutar. António à saída da escola partiu o retrovisor da vigilante. Três vezes.
Ok, mas Deus António? 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Caricaturando podemos afirmar que sempre houve duas grandes correntes de pensamento dominantes na Europa, uma mais preocupada em estabelecer compromissos para uma garantia formal dos direitos, que deriva da origem do constitucionalismo na Inglaterra, e outra, propulsionada por um denso eixo franco-germânico, sobretudo preocupada pela garantia real de direitos sociais e não meramente políticos. Ou seja, e amiudizando a coisa, a Inglaterra foi relativamente precoce ao conceder direitos políticos aos seus cidadãos, contrariamente a uma Revolução Francesa levada a cabo por uma vontade de estabelecer vários direitos sociais reais (veja-se, por exemplo, as pretensões do “programa político” dos jacobinos).

Continuando por esta via, notoriamente redutora, poderíamos afirmar que o comunismo, tal como todas as ditaduras, propõe o que os economistas chamam de “trade-off”, ou seja, dispensar determinados bens em prol do consumo de outros, e regressando ao nosso tema, uma troca de direitos políticos por direitos sociais. Será boa verdade, que sem direitos sociais, os direitos políticos não passarão de fantoches, e que as democracias não passarão de simulacros, ou de sistemas que pretendem esconder uma ditadura real solidificada através da falta de mobilidade social e de difusão do conhecimento.

Será que estamos perante uma ditadura pretensamente democrática? Existe ou não mobilidade social na nossa cidade? Estão os mecanismos de difusão do conhecimento a ser democráticos?

Os mecanismos de mobilidade social na nossa sociedade passam essencialmente pelo sucesso dentro do ensino, mais especificamente dentro do ensino superior. E como é sabido, o ensino superior já é o fim do percurso, e que ninguém chega em pé de igualdade a ele, e visto que apenas um quarto dos jovens entre os 18 e os 25 anos frequenta o ensino superior, nem todos chegam a ele sequer.

Será que isto é suficiente para dizer que estamos numa ditadura? E será que isto é suficiente para querermos trocar os nossos direitos formais políticos actuais por reais direitos sociais?

E será que trocar direitos sociais reais por direitos formais políticos significa realmente a garantia dos primeiros? Será que a URSS falhou? Ou será que qualquer país que se feche ao comércio externo está destinado ao isolamento e à falência?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Crise

A actual crise ecnómico-financeira só veio mostrar que a ciência económica mainstream é a pior ciência no que toca a explicar a economia. Publicações de Soiólogos que hoje já fazem perto duns belos dez anos prevêem esta crise, explicando as suas repercussões e causas. Tirando algumas e louváveis intentas, a ciência económica continua refém da classe que a impôs como ciência aquando do seu pretenso nascimento com Smith, que não deixa de ser uma cerimónia mediática fictícia e lurdesrodriguesada onde ninguém repara que o bebé que está a mamar nas maminhas da rainha ja tem "bué" séculos de existência ou que os professores "mais velhos" já ajudavam os "mais novos", Reuniões de grupo onde se discute políticas pedagógicas para disciplina? Sim isso... Já existia?
Mas voltando ao tema ou à temática (aviso: dependendo do grau de erudição da sua linguagem, escolha o que prefere), o que a actual crise económico-financeira veio mostrar é que a crise não pode ser explicada pela ciência económica porque este não é um problema económico: este é sobretudo um problema da lealdade ideologica da economia financiada para investigação para com os seus financiadores, e principalmente, um problema de ausência de mecanismos de crítica viáveis no nosso sistema. Quando o Barroso vem dizer " ai meu deus que não estávamos à espera disto" só nos encaminha a perguntar como é que um alto dirigente do nosso sistema nunca tinha lido os trabalhos feitos pelos sociólogos a este respeito. Tanto a União Europeia, como a República Portuguesa, sofrem não só um défice de representatividade, como também um défice de capacidade para absorver alternativas que estejam fora dos corredores do parlamento, onde o acesso é cada vez mais resguardado e elitizado. A sobrevivência da democracia passa não so pela garantia que todos possam partir em pé de igualdade no jogo democrático, como também da capacidade dela de integrar as intervenções díspares dos diversos sectores incluindo necessariamente aqueles que não se apoderaram do sistema democrático. Não é por nada que Obama ou Segoléne ou Sarkozi surgem agora no panorama político mundial, são claros sinais de democracias vivas onde a restruturação, a crítica e a renovação ocorrem naturalmente.
Falta saber se o sistema está apto a solidificar os seus sistemas de auto-crítica de forma a prever crises e resolver esta. Se se pensa resolver a crise fazendo apenas o que não se tem feito, rompendo com o que se tem feito e fazendo o contrário, como o com Plano de Estabilidade e Crescimento, então isso não passa de uma mera flutuação de curto-prazo e nada mostrará de renovador.
É preciso algo de novo e criar mecanismos para que o novo entre cada vez mais. O que não se consegue em Portugal, dada a hegemonia dos partidos parlamentares que até o espírito de renovação ja sugaram graças ao nosso Bloco de Esquerda, nem na Europa, dada a realidade económica e o facto de a Europa ser refém economicamente dos grandes países que fazem imperar salvo honrosas execpções os seus interesses. Quem era o gajo da matéria e não a ideia dominar o curso da história?