domingo, 16 de novembro de 2014

XX

Confio palavras como sapatos a uma imensa cidade de pensamentos
Coroam-se marcas de pegadas em ruas sem passadeiras
E não há medo de enveredar por todas as vias
Nenhuma será errada ao confronte com o atropelamento
Porque queremos violar segredos contra as têmporas das cascas
Esmurrar-lhes verdade sobre a persistência dos antidepressivos.

Há tanto tempo que são domesticamente chocados
Pelas nossas mães enquanto falam da telenovela do nosso passado àureo
Com todos os detalhes nobiliárquicos sobre a origem da família e do seu triunfo sobre a selva.
Mastigamos suavemente a doçura com que nos chamam bárbaros
Por termos habitado o lado de dentro da chama
Entrado pela estreita portinhola deixada por versos mortos
Dos quais escolhemos ser altares paleontológicos

Os corvos cagam-nos em cima
É o mesmo desdém fatídico com que os turistas fazem poses por cima de nós
Expondo as nossas partes íntimas para as suas câmaras fotográficas
Trazendo para casa uma estranha forma de cumplicidade entre os seus sorrisos
Grandes positivistas apostos em ter descoberto toda a dinâmica da evolução da civilização
Sem nunca terem provado a carne da melhor prostituta de Camden Town.

Estaremos para sempre nesta fornalha
alimentada pela propulsão do monóculo à luz solar
sussurrando entre os ouvidos os tempos do escuro
em que fazíamos sexo felino pelas sombras das avenidas
sem livrarias a venderem anuários científicos como jaulas.

Nós que fôramos completamente compreendidos porque incompreendidos
Mas que ao acordarmos no colete-de-forças da curiosidade desses pedófilos
Temos ataques de raiva e blasfemamos até a poesia por nos ter denunciado
Porque é contra a nossa natureza que nos erguemos
Mas não se enganem
Estamos completamente sãos.

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