terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Leão

Qual é a profundidade que se alcança com o beijo de uma mulher? Quem nivela o tom das cores, quem tece o cenário circundante? O nosso próprio cliché hollywoodesco ou esquerdista, quando abrimos os olhos e vemos os outros olhos fechados vendo os nossos próprios olhos fechados pelas pálpebras alheias. E quando o monólogo é rompido surge quase sempre o constrangimento para depois voarmos de novo por entre a nossa aldeia, os nossos pequenos preconceitos a mexerem-se tão pequenos à vista. Projectamos na pessoa da frente tudo aquilo que sempre quisemos que a pessoa da frente fosse. Aspiramos ao nosso 'own personal jesus', aquela que sirva de substância à nossa significância (a minha vida sem ti não faz sentido), aquela a quem possamos depositar-nos, e aos nosso medos, e aos nossos anseios.
Fechamos os olhos de novo e pensamos que existimos, que para alguém somos importantes, que alguém nos recordará.
Diz-se. Mas prozac é prozac e uma mulher é uma mulher. Este seria um bom lugar comum para vivermos. Mas eu faço sentido com o sem ti. Não te vou amar eternamente. Tu não me completas. Eu não me vou sacrificar por ti. Mas é o contrário que nos tentam formatar(Jesus não morreu na cruz por nós, mas por dizer que era Rei dos Judeus). Tira a cela do cavalo. Deixa a vida soltar-se. Não temas o sacudir da sua cabeça, quando cedo os seus cascos te cagam a campa.
Abre os olhos. Tira a espada cravada na pedra e apunhala a pessoa que estás a beijar. Apunhala-te. E à sociedade, vê como o sangue que desliza é a única cor verdadeira que alguma vez poderás ver nela. E depois apunhala este próprio pensamento. Faz a tua revolução permanente, destrói-te dia após dia ou, como diria Ricardo Reis, e perdoem-me a falta de precisão e posterior extrapolação, ergue a vida como quem ergue castelos de areia, ergue a vida pelo gosto de construir castelos de areia e aceita que o mar os vai destruir ciclicamente.
Talvez assim construamos um dia a ideia de qual a profundidade que se alcança com o beijo de uma mulher. Mas que no dia seguinte o mar venha e a destrua de novo, no dia seguinte mais uma vez grites 'perdoa-me pai, eu pequei', 'eu sou pecador, mea culpa, mea culpa'. Grita criança, grita e louva a Deus, desafio-te a creres em Deus como a entidade responsável por eliminar todos os dias as ideias que constróis sobre qual a profundidade que se alcança com o beijo de uma mulher. E, no dia que assim fizeres, poderás atingir, leia-se não perceber, a profundidade que se alcança com o beijo de uma mulher, tal como no dia seguinte e no dia a seguir ao seguinte. E entende que isto não é uma questão da lamechice de teres que estar atento à eterna novidade do mundo, o mundo não é eternamente novo, aliás já existia antes e existirá depois de ti, o mundo não é eternamente novo, tu é que és eternamente estúpido.
(Tira a mão do queixo, está na hora das cabeças rolarem.)

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